Como vai votar Sócrates: escoltado pela polícia ou vai a câmara a casa recolher o voto?

Defesa ainda não enviou requerimento ao juiz, mas não espera que impeçam José Sócrates de exercer "um direito constitucional". CNE admite que questão é "complexa" e recorda outro arguido que não votou porque não foi autorizado a sair de casa.

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O primeiro passo terá de ser dado por Sócrates: manifestar ao juiz intenção de votar Daniel Rocha

Agora que saiu da cadeia de Évora, onde esteve preso preventivamente nove meses, como irá votar José Sócrates? A pergunta é de fácil resposta para qualquer cidadão que não esteja sujeito a uma medida judicial restritiva da liberdade. Basta ir. Mas o ex-primeiro-ministro, indiciado por fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção, está em prisão domiciliária e necessita de uma autorização do juiz de instrução criminal Carlos Alexandre para sair da habitação a 4 de Outubro, dia das eleições legislativas.

A Comissão Nacional de Eleições (CNE), através do seu porta-voz João Almeida, admite que a “questão é nova e complexa” e que a CNE, pelo que se recorda, nunca se pronunciou sobre questões semelhantes acerca de arguidos sujeitos à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação.

Fontes prisionais e fontes ligadas ao processo eleitoral sublinham que a maioria das pessoas nesta situação não manifesta sequer a intenção de ir votar, o que poderá explicar a dificuldade em apontar, por experiência, a solução concreta quer na CNE quer nos meios prisionais e judiciais.

O porta-voz da comissão recorda apenas o caso de um homem que, já condenado, cumpria pena de prisão em casa — este tipo de pena substitutiva foi introduzida na lei penal em 2007 — e que “há cinco anos não foi autorizado a sair” para ir à assembleia de voto e não votou. O caso “mereceu a forte condenação da CNE”, salienta João Almeida.

Na mesma situação de José Sócrates, em prisão domiciliária, estão outros três arguidos do processo, entre eles, o empresário Carlos Santos Silva, o vice-presidente do Grupo Lena, Joaquim Barroca, e o ex-ministro Armando Vara.

Questionada pelo PÚBLICO, a CNE remeteu respostas mais concretas sobre esta matéria para amanhã. O órgão, que garante “o esclarecimento objectivo dos cidadãos acerca dos actos eleitorais, a igualdade de tratamento dos cidadãos em todos os actos do recenseamento e operações eleitorais e a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas”, reúne-se nesta terça-feira.

Também a Procuradoria-Geral da República não conseguiu neste domingo prestar esclarecimentos.

A CNE poderá vir a emitir um parecer sobre este caso, mas certo é que não terá a decisão final sobre o meio pelo qual o ex-primeiro-ministro conseguirá exercer o seu direito de voto.

No campo judicial, será Carlos Alexandre a decidir se excepcionalmente deixa Sócrates sair de casa por um espaço de tempo necessário para votar. “Nesse caso será escoltado pela polícia, mas é bom recordar que a lei proíbe escoltas armadas a 100 metros das assembleias de votos. Os polícias não poderão estar armados”, esclarece João Almeida.

Sócrates vive actualmente numa casa da ex-mulher, Sofia Fava, em Lisboa. Sem pulseira electrónica, é vigiado por agentes da PSP.

O advogado do ex-primeiro-ministro, João Araújo, não espera outra coisa que não seja a autorização para sair. “Era o que faltava não deixarem o engenheiro José Sócrates votar. Estamos a falar de um direito político, um direito constitucional. Agora o processo é complexo e ainda vou estudar essa situação. Também não vai votar já amanhã, não é? Ainda falta um mês para as eleições”, disse ao PÚBLICO João Araújo.

O porta-voz da CNE secunda-o. “Essas pessoas têm o direito de votar como qualquer cidadão e compete à administração que lhe causou o impedimento encontrar uma solução”, afirma.

João Araújo confirmou ainda que a defesa ainda não enviou um requerimento a Carlos Alexandre sobre este assunto. Será esse o primeiro passo de Sócrates. Tem de começar por, junto de Carlos Alexandre, manifestar a vontade de votar.

Se o juiz encontrar motivos fortes para não autorizar a saída de casa, então, para conseguir ter um boletim de voto, só restará a Sócrates requerer o voto antecipado, como adiantaram ao PÚBLICO fontes dos serviços prisionais e fontes ligados ao processo eleitoral. Recorde-se que o juiz ordenou a saída da cadeia considerando que não existia perigo de fuga e que o perigo de Sócrates perturbar a investigação diminuiu.

Mas também neste ponto, a situação poderá vir a complicar-se. Uma lei de 1979, sucessivamente actualizada ao longo dos anos, inclusive em 2010 durante o Governo de José Sócrates, permite que os doentes internados, os estudantes e os militares deslocados, os marinheiros embarcados e os reclusos requeiram o voto antecipado recebendo o boletim por carta, mas esqueceu os arguidos que estão presos em casa.

O porta-voz da CNE admite que não “o repugna, apesar de não estar previsto, que se decida que uma pessoa presa em casa poderá votar antecipadamente porque se trata de uma situação análoga à dos reclusos na cadeia”, mas outras fontes da CNE demonstraram outra posição e garantem que a lei não possibilita essa solução.

Aliás, também João Almeida diz que tal seria abrir um precedente “que, generalizado, poderá ser impossível de cumprir”. São os autarcas, ou responsáveis por si designados, quem recolhe os votos nas cadeias no prazo de 10 a 13 dias antes das eleições. “Não podem passar a ir a casa de todos os presos que querem votar”, apontou João Almeida.

Certo é que não se espera que Sócrates, que foi primeiro-ministro durante seis anos, não queira votar.

Actualmente 350 pessoas estão em prisão domiciliária, a maioria delas com pulseira electrónica.

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