Na Grécia a situação dos refugiados "está a tornar-se impossível de gerir”

Confrontos entre refugiados e polícia, ataques de grupos de extrema-direita, e tensão entre vários grupos de refugiados nas ilhas gregas. Áustria diz que está na altura de diminuir medidas excepcionais de passagem de refugiados.

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A tensão crescente tem levado a violência nas ilhas gregas onde milhares de refugiados esperam poder seguir viagem Angelos Tzortzinis/AFP

As Nações Unidas estão a pedir às autoridades gregas que levem a cabo uma operação para a saída urgente de milhares de refugiados que estão na ilha grega de Lesbos, para onde já foram mandados reforços da polícia e do exército por causa de tensão e violência nos últimos dias.

A polícia nas ilhas não tem conseguido processar os pedidos dos milhares de refugiados e migrantes que chegam em barcos vindos da Turquia, e há quem espere há mais de uma semana. Os refugiados não querem ficar na Grécia, apenas passar para os Balcãs e daí para a Europa central e do norte.

As autoridades gregas têm tentado tirar os refugiados das ilhas com alguns ferries, com capacidade para cerca de mil pessoas cada, mas o ritmo é demasiado lento. Parte da violência tem ocorrido quando refugiados tentam entrar em navios com destino a Atenas sem autorização, com a polícia a usar a força para os impedir.

O que pede o Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) na ilha é que os refugiados possam embarcar sem terem de receber a autorização para seguir viagem na ilha, sendo antes registados à chegada do porto de Pireu, em Atenas. “A situação está a tornar-se impossível de gerir”, disse Alessandra Morelli, a representante do ACNUR na ilha, ao diário britânico The Telegraph.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), na semana passada chegaram às ilhas gregas mais perto da Turquia mais de 5000 migrantes ou refugiados por dia.

Sob as temperaturas muito altas, milhares continuam a dormir em tendas, ou mesmo no chão de cimento, em ilhas como Lesbos ou Kos. E a paciência começa a esgotar-se.

Nos últimos três dias, tem havido confrontos diários. Em Lesbos, este domingo, várias pessoas ficaram inconscientes após confrontos com polícia, que usou bastões e gás lacrimogéneo. O número de refugiados na pequena ilha é neste momento de cerca de 17 mil. “A situação está descontrolada”, disse o presidente da câmara Spyros Galanos. “Há um risco de uma fagulha poder provocar um grande incêndio”, declarou, repetindo um pedido que tem feito: que seja decretada “situação de emergência” na ilha.

Em Kos, há dois dias, um grupo de pessoas aparentemente ligadas ao partido neonazi Aurora Dourada ameaçaram refugiados e os voluntários, gregos e estrangeiros, que os ajudavam, denunciou a organização de defesa de direitos humanos Amnistia Internacional. “Kos será a vossa campa”, gritaram os atacantes aos refugiados, “vamos violar-vos até à morte”, disseram às voluntárias (eram na maioria mulheres) – aparentemente, perante a passividade da polícia.

Na sexta-feira, um protesto dos refugiados pedindo mais rapidez no processamento dos documentos em Lesbos também acabou com violência, com a polícia a acusar os estrangeiros de lhes atirarem pedras, e lançando gás lacrimogéneo.

Para além de tudo isto, há ainda tensão crescente entre os vários grupos de refugiados, com afegãos e iraquianos a ressentir-se do tratamento preferencial dado aos sírios.

Mobilização na Alemanha e Áustria
Em Budapeste, na estação de Keleti, que esteve no centro de um impasse com milhares de refugiados acampados que não conseguiam seguir viagem para a Áustria e Alemanha, restavam este domingo poucas pessoas no que já foi um grande acampamento.

Os que ficaram eram afegãos e iraquianos que se questionavam qual seria o seu destino. A Alemanha anunciou que suspendia as regras de Dublin, segundo as quais quem quer pedir asilo tem de o fazer no país de entrada da União Europeia, para os sírios que chegassem ao país. Afegãos e iraquianos permanecem obrigados a pedir asilo no país de chegada, e continuam assim a fazer tudo para evitar serem registados pelas autoridades húngaras.

Este domingo, uma marcha de carros organizada por voluntários partiu da Áustria para ir buscar centenas de pessoas a Budapeste, deixando os refugiados numa estação de Viena onde poderam apanhar comboios para a Alemanha. Eram mais de 150 carros, que seguiam pelas estradas húngaras mesmo com o risco de poderem ser acusados de tráfico de pessoas – a polícia húngara declarou que era ilegal levar refugiados.

“Seria uma loucura prender pessoas que estão a agir em apoio do que eles decidiram politicamente, que é deixar as pessoas seguir para a Áustria”, comentou Kurto Wendt, um dos organizadores da campanha, à Reuters. “O risco que corremos é tão pequeno se o compararmos com o que os refugiados estão a passar.”

A mobilização de austríacos e alemães para receber os refugiados que agora chegam tem sido grande, com os átrios das estações de comboios cheios de pessoas a aplaudir, famílias com cartazes a dizer bem-vindos, crianças com brinquedos para dar às crianças que chegam. Uma tradutora na estação de Frankfurt contava que nem todos os que chegavam percebiam o que se estava a passar, e havia quem temesse ser fotografado. Outros sorriam, faziam sinais de vitória, e agradeciam. “As pessoas aqui trataram-nos tão bem, trataram-nos como verdadeiros seres humanos”, disse um comovido sírio chamado Mohammad, de 32 anos, ao chegar a Munique.

Merkel criticada por conservadores
A Alemanha é o principal destino e a Baviera tem sido um dos principais pontos de chegada – das 7 mil pessoas que chegaram à Alemanha no sábado, a grande maioria fê-lo através da estação de comboios de Munique. Daí foram distribuídos para vários centros em edifícios públicos. Domingo as autoridades esperavam dez mil pessoas.

Respondendo a uma pergunta sobre o número de refugiados a acolher, o presidente da câmara de Munique respondeu aos jornalistas: “Claro que há alguns limites por causa de espaço que temos em Munique, mas essa não é a questão que me coloco”, disse Dieter Reiter. “A pergunta que faço todos os dias é como vamos acomodar estas pessoas, estes refugiados, como podemos dar-lhes a sensação de estarem seguros aqui em Munique, aqui na Alemanha”.

Mas nem todos partilham esta posição, e a decisão da chanceler, Angela Merkel, provocou críticas dentro do seu próprio campo político. O ministro do Interior do estado da Baviera, Joachim Herrmann, da CSU (União Social Cristão, o partido-gémeo da CDU/União Democrata Cristã na Baviera), disse que a Alemanha mandou “um sinal completamente falso” para a Europa.

O chanceler austríaco, Werner Faymann, disse que era altura de começar a diminuir estas medidas de acolhimento excepcionais. “Sempre dissemos que esta era uma situação de emergência em que tínhamos de actuar de modo rápido e humano. Ajudámos mais de 12 mil pessoas. Agora temos de passo a passo mudar das medidas de emergência para uma normalidade em conformidade com a lei e dignidade.”

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