Governo diz que problema da Uber tem de ser resolvido também em Bruxelas

Táxis queixam-se de concorrência ilegal e vão manifestar-se. Comissão Europeia já avançou com estudo sobre serviços de carros com motorista.

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Bruno Lisita

O que fazer com a Uber, uma aplicação que permite chamar carros com motorista, está a ser uma questão de resposta difícil em muitos países, dentro e fora da Europa. Em Portugal, o Governo defende não ser possível uma solução apenas nacional aos desafios jurídicos e de regulação colocados por este serviço, que tem sido alvo de protestos acesos por parte das empresas de táxis.

"Atendendo às características transfronteiriças deste negócio, não será possível uma abordagem meramente nacional, antes se exigindo uma resposta ao nível da União Europeia, pautada pelo princípio do tratamento idêntico para situações idênticas", afirmou o Ministério da Economia (onde se integra a secretaria de Estado dos Transportes), em resposta a questões do PÚBLICO.

A ANTRAL, uma associação do sector, convocou uma manifestação de taxistas para esta terça-feira, depois de já se ter queixado várias vezes da falta de actuação do Governo, bem como do não cumprimento, por parte das autoridades, de uma providência cautelar que suspendeu em Abril a actuação da Uber em Portugal.

O ministério admite que o Governo e os reguladores "têm de fazer também a sua parte" e disse ter pedido à OCDE, através do Instituto de Mobilidade e Transportes, uma análise comparativa da regulação nos diferentes países da Europa, bem como propostas "para lidar com os avanços tecnológicos na relação do sector com o cliente". Lembrou ainda que existe no Parlamento um grupo de trabalho sobre o assunto, para o qual a ANTRAL foi convidada.

As preocupações sobre o enquadramento legal da Uber chegaram já a Bruxelas, depois de o serviço ter sido banido pelos tribunais em países como Espanha e Alemanha e de ter havido alterações da lei em França. A Comissão Europeia arrancou recentemente com um processo que poderá acabar por trazer regras comunitárias a um sector onde a regulação é sobretudo nacional. Ainda está, porém, no início e não é garantido que Bruxelas venha a actuar.

 "A Comissão lançou um estudo para analisar os mercados dos táxis e dos veículos com chofer nos estados-membros. Esta análise vai fornecer o contexto necessário para a Comissão decidir sobre a necessidade – e a possível natureza – de mais acções ao nível da União Europeia", explicou Jakub Adamowicz, porta-voz da comissária europeia dos Transportes, Violeta Bulc.

O gabinete da comissária classifica o tema como "muito complexo" e quer “compreender o impacto da expansão destes serviços no sector e na economia e na sociedade como um todo”. Serão precisos vários meses até o estudo produzir resultados.

Contestação aquece
Em Portugal, a justiça já foi chamada a pronunciar-se. Em Abril, o Tribunal da Comarca de Lisboa deu parecer favorável à providência cautelar interposta pela ANTRAL contra a Uber. Mas, cinco meses depois, a Uber continua a operar em Lisboa e no Porto, devido a um alegado pormenor de morada. Na providência cautelar, a ANTRAL indica o endereço da Uber nos Estados Unidos na morada do requerido, mas a Uber Portugal responde à representação europeia, com sede na Holanda.

O presidente da associação, Florêncio de Almeida, defende que “não há qualquer erro” e considera que os atrasos na aplicação da decisão judicial tem o “conluio do Governo”, onde “há membros que têm uma certa simpatia pela Uber”. Florêncio de Almeida lamenta ainda que as forças policiais tenham, “em várias ocasiões”, levantado autos a motoristas e que estes ao chegarem ao IMT sejam arquivados “por ordem do Governo”. “No protesto de dia 8 vamos perguntar ao presidente do IMT o que fez a esses autos”.

Em Lisboa, a marcha dos táxis começará no Parque das Nações, com paragens previstas no aeroporto, Secretaria de Estado dos Transportes e Ministério da Justiça. No Porto, partirá do Castelo do Queijo. Já a Federação Portuguesa de Táxis decidiu demarcar-se da manifestação. “Não pactuaremos com uma imagem degradante do sector e com atitudes radicais”, afirmou num comunicado.

Do lado da Uber, o director da empresa em Portugal, Rui Bento, insiste que esta “vem responder a uma necessidade que existe” e argumenta que não há ilegalidades na forma como o serviço é prestado. “Temos parceiros licenciados, táxis letra A e letra B [motoristas individuais], empresas de rent-a-car e empresas turísticas. Todos já operavam e faziam este tipo de serviço antes da chegada da Uber”.

Confronto “não é novo”
A Uber tem estado a braços com a justiça em vários países desde 2009, ano em que foi criada. Coloca-se a dúvida sobre se é a regulamentação que não está preparada para este tipo de modelo de negócio, ou é a Uber que opera sem ter em conta a legislação dos mais de 70 países onde opera.

“O problema não está na forma como o consumidor adopta a Uber mas na necessidade de revisão do sistema de laboração dos taxistas tradicionais”, começou por responder Manuel Heitor, que dirige o Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, IN+, do Instituto Superior Técnico, em Lisboa.

“Os dois lados têm razão. Mas há uma inovação a que os taxistas não se adaptaram: a capacidade de usar novas tecnologias”, continuou o académico, afirmando ser necessário “um sistema regulatório que permita mais actores”.

Este tipo de confronto entre o tradicional e o inovador não é novo no sector dos transportes, mas nunca foi tão significativo, considera Manuel Heitor. Lembra, por exemplo, que o sector da aviação sofreu um abalo, quando “surgiram as companhias low-cost, que provocaram transformações radicais e enfrentaram barreiras consideráveis por parte das companhias tradicionais”. Outro exemplo é o do sector automóvel, que está a desenvolver carros autónomos. “A indústria vê-se obrigada a adaptar-se a estas novas tecnologias”, observou, acrescentando que “não há sectores protegidos” contra a inovação.

Alternativas a levantar o braço
Fazer um telefonema ou acenar na rua já não são as únicas formas de apanhar um táxi. Em várias cidades portuguesas (embora sobretudo no Porto e Lisboa) há taxistas que estão inscritos em plataformas electrónicas, cujas aplicações permitem aos clientes ver os carros num mapa e solicitar o serviço. Não são muito diferentes da Uber, classificação dos motoristas incluída.

Uma destas aplicações foi lançada pela Meo há um ano e é usada, segundo a empresa, por 1500 taxistas em vários concelhos do país: Porto, Lisboa, Vila Nova de Gaia, Sintra, Gondomar, Leiria, Setúbal e Braga, bem como na Madeira.

Há também duas aplicações brasileiras que já entraram no mercado português. A 99Taxis diz ter cerca de 700 motoristas a usar a plataforma em Lisboa e uma centena no Porto. A empresa garante ter dez mil utilizadores em Portugal e que o número de viagens cresce 30% ao mês.

A Wappa é outra empresa nascida no Brasil. Os números da empresa indicam 1500 motoristas e quatro mil utilizadores em Portugal, um mercado que está a ser usado como uma porta de entrada para a Europa. O director executivo da Wappa, Armindo Mota Júnior, vê um lado positivo na disputa com a Uber. “A polémica ajuda a popularizar novas plataformas e tecnologias. O avanço da Uber também gera oportunidades para a Wappa”.

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