Georgia a caminho da glória

Há um futuro pejado de canções com ambições legítimas de serem canonizadas.

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Georgia não está interessada em ser um epifenómeno

Entre os 13 e os 16 anos, Georgia Barnes jogou futebol nos escalões de formação do Arsenal e do Queens Park Rangers, e podia estar facilmente a caminho de procurar uma vida pacata enquanto profissional da Premier League feminina. Mas só umas poucas dezenas de afortunadas jogadoras britânicas, noticiava este ano a BBC, gozam de um contrato que lhes permita não dividir a actividade desportiva com qualquer outro meio de subsistência; e só casos muito raros como o de Steph Houghton, capitã da selecção inglesa, ascendem a ganhos anuais na ordem das 65 mil libras.

Talvez tenha sido esse futuro pouco promissor, talvez tenham sido as simples e obrigatórias flutuações de interesses que pontuam qualquer adolescência, talvez Georgia se tenha puramente fartado de dar pontapés numa bola, mas alguma coisa algures no meio de tudo isto parece ter motivado uma alteração radical no foco da sua vida. Aos 16 anos, portanto, a miúda atirou com as chuteiras e investiu num curso de Antropologia na School of Oriental and African Studies em Londres.

Foi nesse contexto que se familiarizou com flautas birmanesas, gamelão indonésio ou kora maliana. E foi seguramente a partir dessa experiência que começou a desenvolver um estilo de abordar a bateria de aparência verdadeiramente tribal – tão tribal que o primeiro momento de notoriedade da sua música a solo (depois de ter tocado com Kwes e Kate Tempest) atalhava desavergonhadamente para a vizinhança de Missy Ellitt e M.I.A. Move Systems”, esse tal tema movido por uma bateria fustigada de forma selvática e letra carregadinha daqueles pedaços de realidade suburbana com acne, frenesi e uma dealer chamada Sheila capazes de deixar água na boca a qualquer jovem adulto transformado em animal de apartamento ao permitir espreitar o que é a vida fora dos dias regras, compostinhos e confortáveis, esseMove Systems que será possivelmente o menos entusiasmante que agora lhe conhecemos.

Para bem de todos, mas sobretudo para o seu próprio bem, o disco de estreia de Georgia aos 24 anos não se deixa engaiolar por esse sabor intenso que se esvai em meia dúzia de minutos. E em vez de prosseguir com a filiação manifesta em Missy/M.I.A., passou a aspergir por todo o disco o seu domínio das sonoridades afro-asiáticas com ajustada discrição, sem se tornar uma exótica atracção quase circense de miúda a brincar com outras culturas que não a sua – a piada de uma rapariga versada em “instrumentos étnicos” rapidamente se reduz a uma gracinha tão odiosa quanto a expressão colocada entre aspas.

Ao chutar Move Systems para a segunda metade do álbum, Georgia deixa claro que se Missy Elliott é uma assumida referência na sua criação, está muito longe de ser dominadora no seu mundo. Em vez disso, o arranque faz-se com um Kombine e um Be Ache que atestam a sua emanação do movimento grime, mas com uma diferença que a filha do músico dos Leftfield Neil Barnes assume e explora exemplarmente: a de um ataque vocal que não privilegia a agressividade, antes a prepara para a assunção de um tempero pop que se assemelha, noutro campeonato, àquele que encontramos no r&b dos AlunaGeorge (os campeonatos, na verdade, chegam a tocar-se em Nothing Solutions).

O que isso parece assinalar com contundência é que Georgia não está interessada em ser um epifenómeno. E por aqui nada há que não aponte para um futuro pejado de canções com ambições legítimas de serem canonizadas.

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