Um ajuste directo, mas mal contado

A concessão da exploração do metro do Porto e do serviço da STCP é a pedra no sapato que sobra ao secretário de Estado dos Transportes no final de uma legislatura na qual foi capaz de despachar (pelo menos condicionalmente) a TAP, a Carris, o Metro de Lisboa ou a CP Carga.

Uma pedra no sapato, bem se sabe, incomoda quem quer andar. E como Sérgio Monteiro tem pressa, livrou-se do incómodo do Porto com uma decisão mirabolante: um ajuste directo feito no prazo de 12 dias (oito dias úteis), a escassas seis semanas das eleições. Um pouco mais de sensatez poderia tê-lo impedido de avançar à pressa num processo que dispensou até a consulta às autarquias, que controlam 40% do capital da empresa do metro; um pouco mais de pudor levá-lo-ia a deixar para o próximo Governo o ónus de tão pesada decisão. Sérgio Monteiro não foi por aí e, para se explicar, recorreu a argumentos dignos do mais profissional compêndio de camuflagem semântica (para evitar palavras mais drásticas).

Não está em causa a intenção do Governo de cumprir a sua agenda legítima, nem o propósito de satisfazer as exigências da troika destinadas a aliviar a carga financeira que todo o país paga com os transportes públicos; o que está em causa é a tese de que o ajuste directo é uma questão de “interesse público relevante”, condição fundamental para tornear o concurso internacional exigido pelo código dos contratos públicos. Sérgio Monteiro explica depois que esse “interesse público” se defende à luz do dinheiro que os contribuintes vão poupar: “mais de 120 milhões”, disse na sua entrevista desta terça-feira no corredor do Ministério da Economia.

“Assim garantimos que não há impostos que vão para estas empresas”, porque a ideia é que não sejam pagas “indemnizações compensatórias em 2016”, continuou. O que este arrazoado nos revela é a vontade de criar uma realidade artificial à custa de palavreado selecto e de muita omissão. Porque 120 milhões de euros teriam de ser pagos no horizonte de uma década. Porque, mesmo com concessão, haverá impostos a pagar o serviço público das concessionárias (35 milhões de euros por ano só no caso do metro). Porque, sob a camuflagem de uma expressão horrível (indemnizações compensatórias), se esconde o que o Estado paga para que quem trabalha à noite ou vive nas zonas mais remotas da área metropolitana disponha de transportes.

Para que não sobrem depois dúvidas sobre a soberana sapiência da decisão, Sérgio Monteiro aduz mais argumentos em favor da sua tese. Diz, por exemplo, que esta decisão do Governo “já vem da resolução do Conselho de Ministros de 2014”, que “ordena aos conselhos de administração a abertura de novos procedimentos” caso o concurso público internacional falhasse. Curiosamente, nunca ninguém, nem o próprio secretário de Estado, até à semana passada, admitiu que esses procedimentos passassem por um ajuste directo. Não admira. Não passa, afinal, pela cabeça de ninguém que uma concessão desta natureza passe por um crivo tão frugal. Como disse Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara de Gaia, é preciso um concurso para um bar de praia, mas para uma concessão destas nem por isso.

Para lá dessa irritante construção de um discurso enviesado, esta decisão soa mal também por causa das zonas cinzentas que alimenta. Todas as empresas que levantaram o caderno de encargos para a concessão em 2014 foram convidadas a apresentar propostas, mas a pergunta que sobra é saber se todas terão condições para, em pleno mês de Agosto, reunir e decidir o que fazer no curto prazo de oito dias úteis. Se alguém for a jogo, será visto como um monumento vivo à celeridade e à competência. Ou talvez não. Haverá sempre as más-línguas que hão-de subestimar esses talentos em favor da informação privilegiada.  

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