O Vodafone Paredes de Coura já está lotado e não é difícil perceber porquê

Entre quarta-feira e sábado, o festival viverá a sua edição mais concorrida de sempre. A responsabilidade é de um cartaz onde se destacam Tame Impala, War on Drugs, Lykke Li ou Charles Bradley e é da história e envolvência de um festival cuja história recua a um início modesto em 1993

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Em 23 anos, é a primeira vez que o festival esgota PAULO PIMENTA
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Os nova-iorquinos TV on The Radio são os mais esperados na noite de abertura RUI GAUDÊNCIO
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Os Tame Impala, banda imprescindível no rock’n’roll desta década, tocam na quinta-feira

Esgotado. Esgotados os passes para os três dias de festival e os bilhetes diários para sexta-feira. Repleta já Paredes de Coura desde sábado passado, quando os campistas se começaram a instalar em massa, quando eles e o restante público instalado na localidade e nas redondezas afluiu às ruas para assistir aos concertos do festival antes do festival, o Festival Sobe à Vila. Esta quarta-feira arranca a sério.

À 23ª edição, o festival Paredes de Coura está lotado - restam alguns bilhetes diários para o dia de abertura e para sábado. A responsabilidade é de um cartaz que acumula vários nomes de destaque do cenário musical, nomes imprescindíveis das imensas franjas do mainstream de que é feita hoje a música popular urbana: falamos dos TV On The Radio, que são os mais esperados na noite de abertura, dos australianos Tame Impala, cabeças-de-cartaz de quinta-feira, dos The War On Drugs e desse portento soul chamado Charles Bradley, obrigatórios na noite de sexta-feira, e ainda da sueca Lykke Li, cujo electro-pop estranhamente confessional a tornou um curioso fenómeno de popularidade (a confirmar quando subir a palco no sábado).

A autora de I Never Learn, título do seu terceiro álbum, tem no concerto em Paredes de Coura a sua única data europeia este Verão. Quem já viu Erlend Öye a dar um concerto improvisado num barco de borracha no rio Coura, quem já ouviu histórias de bandas que preferem o campismo ao luxo de boas unidades hoteleiras, compreenderá a escolha de Lykke Li.

As bandas em cartaz, coerentes com o que tem sido a identidade de Paredes de Coura nos últimos dez anos, são naturalmente o grande atractivo. Mas, depois, há o resto: o verde deslumbrante do Minho, o rio que corre límpido e tão apetecível, o conforto na fruição do festival, com a pressão publicitária e o ruído das iniciativas promocionais reduzida ao mínimo, a forma como a vila se torna, também ela, componente indispensável dos dias ali vividos e uma sensação de familiaridade que se ganha com a longevidade do festival e com a confiança que o público foi ganhando nas escolhas dos programadores.

A primeira edição aconteceu em 1993. Organizado por e para a juventude local, com um cartaz composto por bandas portuguesas, como os Cosmic City Blues ou os Boucabaca, onde encontrávamos Vítor Paulo Pereira, hoje presidente da Câmara Municipal de Paredes de Coura, e com um orçamento de cerca de 800 euros (160 mil escudos à época), foi um primeiro passo que não prenunciava o futuro que se seguiria.

Solidificado pouco a pouco no roteiro de festivais portugueses, crescendo em cartaz e melhorando ano a ano as instalações no terreno, ultrapassou o breve período negro, em sentido literal e figurado, em que o cartaz, no início do século, deu protagonismo ao inconsequente nu metal, e revelou-se definitivamente, tal como o conhecemos agora, na edição de 2005 - a do concerto histórico dos Arcade Fire, dos National, dos Queens Of The Stone Age, Nick Cave & The Bad Seeds ou Pixies. Hoje, o orçamento cresceu até acima dos três milhões de euros e o agora Vodafone Paredes de Coura tornou-se um festival onde é certo que encontraremos algumas das bandas mais relevantes na definição dos rotas musicais do presente (com o coração nas linguagens rock, mas longe de o acolher em exclusividade). Nesse aspecto, o cartaz da edição 2015 é exemplar.

Quarta-feira, no arranque em que os concertos se limitarão ao Palco Vodafone, o principal, teremos os TV On The Radio a mostrar Seeds, editado em 2014 e o primeiro álbum gravado após a morte do baixista Gerrard Smith, mas também os Slowdive, históricos do shoegaze regressados aos palcos, ou os portugueses Gala Drop que, com II, se mostraram uma irresistível máquina de, digamos, groove afro-kraut-rock. Ceremony e Blood Red Shoes completam o alinhamento do primeiro dia.

Os Tame Impala, banda imprescindível no rock’n’roll desta década, que apresentarão o recente Currents, álbum em que trocaram o protagonismo das guitarras pelos sintetizadores, tocam quinta-feira. É um dia preenchido: acompanham-nos Father John Misty, cantautor desalinhado e surpreendente, que cimentou o seu estatuto de voz única no panorama musical americano com o último I Love You Honeybear, acompanham-nos o sempre bem-vindo Legendary Tiger Man, o negrume niilista dos dinamarqueses Iceage, ou os australianos Pond e os White Fence de São Francisco, representantes distintos da actual vaga psicadélica a que Paredes de Coura se mostra particularmente atento – nos dias seguintes, juntam-se a eles os Allah-Las (sexta-feira), os Woods, os Temples ou os Fuzz em que Ty Segall troca a guitarra pela bateria (todos eles actuam sábado).

Entre veteranos distintos (Mark Lanegan e Charles Bradley, ambos sexta-feira), revelações folk como Natalie Prass (sábado), sonhadores em viagem cósmica chamados Ratatat (sábado), homens já da casa que regressam (os X-Wife, que voltaram à actividade este ano e que tocam sexta), a omnipresente Banda do Mar (sábado) ou nomes a descobrir como os Waxahatchee (quais Melanie da geração lo-fi e sem sonhos de “paz e amor” à vista), o cartaz do festival mostra-se tão diverso quanto coerente. Os cabeças-de-cartaz concentram naturalmente as atenções, mas não serão nomes assombrando os demais, antes aqueles que sobressaem num todo deveras apetecível.

Este ano, além da música, institucionaliza-se a poesia e a tertúlia que já é normal irromperem de forma improvisada entre o convívio no campismo ou no relvado nas margens do Coura. Entre as 13h e as 14h30, o palco Jazz na Relva receberá a poeta Matilde Campilho (quinta-feira), o jornalista Carlos Vaz Marques e o poeta e cronista Pedro Mexia (sexta), e o escritor e cronista Rui Cardoso Martins (sábado). Palavras a libertarem-se no ar, antes de a música tomar conta dos acontecimentos. Tudo no festival que cresceu este ano como nunca antes e que, em consonância, apresenta uma série de afinações logísticas no terreno: maior área para campismo, duas novas pontes sobre o Coura, mais zonas de alimentação, caminhos em calçada portuguesa para prevenir a poeira.

22 anos depois chegámos à edição mais concorrida do Vodafone Paredes de Coura. O festival continua a construir-se. Venha ele.

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