Irmão de Dirceu preso no Brasil foi recebido por Salgado em 2011

Quando decorriam as negociações para a venda da Vivo e entrada da PT na Oi, e arrancava o negócio da TAP, a empresa de consultoria apanhada agora no escândalo Pixuleco fazia contactos em Portugal.

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José Dirceu está em prisão domiciliária Maurício Lima/AFP

Em Novembro de 2011, o consultor Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, irmão de José Dirceu Oliveira Silva, sócios da JD Assessoria e Consultoria, esteve em Lisboa a fazer contactos, um deles foi com Ricardo Salgado. A empresa foi agora apanhada na operação Pixuleco, uma derivação do Lava Jato, por suspeita de ser usada como “biombo” para circulação e repasse de fundos ilícitos em grandes transacções.

Há quatro anos, quando Luiz Eduardo Oliveira Silva esteve em Lisboa, entre 3 e 15 de Novembro de 2011, as relações de negócio luso-brasileiras estavam ao rubro. No mercado estavam em curso duas operações mediáticas: a venda, pela PT, de 50% da Vivo à Telefónica e o cruzamento de participações entre a PT e a Oi; e o governo de Passos Coelho já tinha aberto o dossier da venda da TAP que na altura envolveu German Efromovitch.

Um dos contactos estabelecidos por Luiz Eduardo de Oliveira e Silva ocorreu na sede do BES, em Lisboa, e teve como interlocutor o ex-presidente do BES Ricardo Salgado. Não se sabe sobre que tema falaram, apenas que o encontro foi articulado pelo escritório de advocacia português Lima, Serra, Fernandes & Associados (LSF), ligado a João Abrantes Serra, parceiro das sociedades dos irmãos Oliveira Silva. Todas “prestadoras de serviços” dos dois lados do Atlântico e com boas ligações ao mundo da política e aos grandes negócios, em particular, os que envolvem decisões estatais. 

“O inquérito encontra-se em segredo de justiça.” Esta foi a resposta da Procuradoria-Geral da República quando questionada pelo PÚBLICO sobre se tinha conhecimento do encontro ocorrido em 2011 entre o ex-presidente do BES Ricardo Salgado e o consultor Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, sócio da JD Assessoria e Consultoria, bem como das matérias abordadas na reunião. O Ministério Público acrescentou não ter “neste momento, nada a adiantar” ao que já tem sido referido.  Por seu turno, Ricardo Salgado não respondeu às perguntas enviadas.

Ao contrário do ex-poderoso chefe da Casa Civil de Lula da Silva, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva foi sempre um personagem com pouca notoriedade. Só passou para a ribalta quando, no início deste mês, a JD Assessoria e Consultoria figurou entre os suspeitos da operação Pixuleco (menção ao termo usado pelo ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores Vaccari Neto para se referir ao pagamento de comissões ilícitas). Um dossier que deriva do Lava Jato, o mega esquema de corrupção envolvendo a petrolífera Petrobras e subornos de empreiteiras.

Seguindo o dinheiro, os investigadores brasileiros descobriram que a JD Assessoria e Consultoria era uma empresa de fachada, um intermediário de pagamentos ilícitos a terceiros, com cobrança de comissões. Uma conclusão que a defesa dos irmãos Oliveira Silva já veio rebater e garantir que “os serviços de consultoria foram prestados correctamente sem pagamentos ilegais”. Quando em 2012 foi acusado de ser “o cabecilha da quadrilha” do Mensalão (pagamento de subornos a políticos), e condenado a 10 anos e 10 meses de prisão domiciliária (que cumpria quando voltou a ser preso), os advogados de Dirceu alegaram que “o julgamento era político”.

Mas a justiça brasileira não se convenceu e, a 3 de Agosto, deteve os dois irmãos num outro processo, o Lava Jato. E com outra conclusão: em 2011, quando começou o julgamento do Mensalão, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva substituiu Dirceu como lobbysta e finalizador dos contratos negociados pelo ex-ministro.

As relações “comerciais” transfronteiriças estão a impor uma maior cooperação entre investigadores portugueses e brasileiros. O PÚBLICO sabe que um procurador brasileiro do Estado do Pará, e articulado com os inquéritos do outro lado do Atlântico, e bom conhecimento das leis nacionais, esteve em Portugal durante várias semanas, onde desenvolveu contactos. Inquirido sobre a colaboração com o referido procurador, o Ministério Público lembrou que o “inquérito está sujeito ao segredo de justiça”. Sublinhe-se que ainda recentemente a PGR veio confirmar ter recebido um pedido de ajuda das autoridades brasileiras, mas não deu detalhes.

Negócio PT-Oi gera movimentações
As primeiras semanas de Julho de 2010 foram palco de movimentações que envolveram políticos, gestores da PT, da Telefónica e da Oi e outros assessores. José Sócrates e Lula da Silva estavam em contacto permanente na busca de uma solução que permitisse desbloquear a oposição do governo português à venda de 50% da Vivo à Telefónica.

O líder brasileiro propôs a alternativa Oi, cujo accionista de referência, a construtora Andrade Gutierrez, pertencia a Sérgio Andrade, com ligação de negócio ao filho do ex-presidente Fábio Lula da Silva, o “lulinha”,  investigado por suspeita de enriquecimento ilícito. A Andrade Gutierrez é uma das empreiteiras apanhadas na rede de distribuição de subornos (Lava Jato) e o seu presidente Otávio Marques Azevedo (ex-administrador da Portugal Telecom) está preso há cerca de dois meses.

A 8 de Junho de 2010, José Dirceu apareceu em Lisboa a prestar ao Diário de Notícias declarações premonitórias: “Sempre defendi a fusão da Oi com a Brasil Telecom ou com uma empresa como a PT.” Vinte dias depois, a 29 de Julho de 2010,  a PT e a Oi anunciam a troca de posições accionistas e, finalmente, o governo português autoriza a PT a vender 50% da Vivo à espanhola Telefónica. A solução Oi aliviou a tesouraria dos accionistas envolvidos - Ricardo Salgado (PT) conhecia o buraco de 1300 milhões nas contas da ESI (holding mãe do GES), as dívidas da Ongoing (PT) à banca totalizavam 800 milhões, a Andrade Gutierrez (Oi) tinha dívidas milionárias, parte ao banco estatal brasileiro. 

O negócio possibilitou que, no final de 2010, a Ongoing apresentasse lucros de 235,5 milhões, mais 424% do que em 2009, mas as suas dívidas à banca já estavam em 800 milhões. Já o BES revelou resultados positivos de 510 milhões de euros e encaixou com a operação PT-Vivo 200 milhões de euros. Data dessa altura a “sugestão” de Salgado para que a Caixa Económica Montepio Geral concedesse um empréstimo de cerca de 45 milhões à RS Holding, empresa do grupo Ongoing, com sede no Luxemburgo, um crédito que gerou polémica dentro do banco por falta de justificação.  

No entanto, no final de 2011, quando Luiz Eduardo de Oliveira e Silva esteve em Lisboa a “conversar” com o principal accionista do BES, o negócio PT-Oi continuava por fechar. Um processo opaco e complexo que sofreu atrasos e levou, a 4 de Novembro, o ex-presidente da PT Zeinal Bava (que seria indicado para liderar a Oi) a anunciar o adiamento para 2012 da reestruturação da operadora brasileira, destinada a simplificar a estrutura societária e a abrir a via da discussão da distribuição de dividendos. Na altura, o cruzamento de posições entre a PT e a Oi aguardava a deliberação da CADE, a autoridade da concorrência do Brasil, que só se pronunciaria em Dezembro de 2012.

O Ministério Público já confirmou que está a investigar o envolvimento político e os contornos dos negócios à volta da PT (PÚBLICO de 21 de Julho passado), contaminada em 2014 pelo colapso do GES/BES.  

É previsível que as autoridades lusófonas procurem garantir que dos vários contactos que se estabeleceram entre políticos, gestores, accionistas e assessores externos não resultaram benefícios financeiros concedidos ilicitamente. Hoje os investigadores estarão na posse de muita informação. Há referência a uma viagem, naquele período, a Singapura, de políticos e gestores das operadoras de telecomunicações. Mas também suspeitas de movimentações financeiras de 200 milhões, bolo que foi distribuído por vários “jogadores”.

Não é a primeira vez que o círculo empresarial de Dirceu aparece associado a empresas portuguesas. Na primavera de 2010, a Folha de São Paulo escrevia: "Os petistas estimularam a Ongoing a implantar no Brasil uma rede de comunicação alinhada com o governo de Lula da Silva para diminuir o poder dos grandes grupos privados de media". Em 2010, a empresa do espanhol Rafael Mora e do português Nuno Vasconcelos empregou Evanise Santos, namorada de Dirceu, mas também usou os serviços do ex-chefe da Casa Civil do ex-presidente Lula. Em Julho de 2010, a Telefónica contratou os bons ofícios de Dirceu, que abriu aos espanhóis as portas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), instituição pública federal que financia grandes projectos. 

Já a Portugal Telecom pediu ao escritório Lima, Serra e Fernandes, apoio para resolver o dossier Vivo, pagando avenças.

Outros nomes surgem ligados aos irmãos Oliveira Silva. Um deles é Júlio Cesar, da JC&S Brasil Consultores, com sede em Brasília, e igualmente visado no processo Pixuleco. André Serra, filho de João Abrantes Serra, da LSA & Associados, está ligado a Júlio César. Foi João Abrantes Serra que apresentou Miguel Relvas a José Dirceu, o que o ex-ministro português confirmou ao PÚBLICO em 2012, admitindo ser amigo de Dirceu desde 2004.

Mas há outro personagem a ter em conta nas relações transatlânticas e que agora se começa a ouvir falar: Guilherme Sodré Martins. Ainda que opere na esfera da acção de Dirceu, substituindo-o, actua como independente. É a ele que, por vezes, o grupo Amorim recorre no Brasil, para além de colaborar com a Ongoing. Guilherme Sodré Martins é próximo do ex-governador da Bahia, e actual ministro da Defesa do Brasil, Jacques Wagner (Wagner casou com a primeira mulher de Martins). Amigo de Marcelo Odebrechet, presidente da Odebrechet, o ministro da Defesa já foi visto em Portugal no hotel Ritz.

Muitos dos personagens desta história chegaram a 2015 tendo um dado em comum: estão detidos, no quadro das investigações que correm nas duas geografias lusófonas. Mas envolvidos em processos diferentes e sujeitos a acusações distintas.

A 27 de Julho, no contexto do dossier GES/BES, o Ministério Público decretou a prisão domiciliária do banqueiro português indiciado por burla qualificada, falsificação de documentos, falsificação informática, branqueamento, fraude fiscal qualificada e corrupção no sector privado.

Oito dias depois, a 3 de Agosto, num processo diferente (Pixuleco), as autoridades brasileiras avançaram com a detenção de Luiz Eduardo de Oliveira Silva, em Ribeirão Preto, e de José Dirceu, em Brasília, onde vive em prisão domiciliária. Os dois irmãos são suspeitos de terem recebido e transferido subornos para terceiros e de terem montado um esquema que facilitava contratos na petrolífera do Estado. Ao longo dos últimos nove anos, as sociedades de consultoria ligadas aos dois brasileiros terão facturado para os seus cofres 29 milhões de reais “em serviços prestados”.

Cerca de mês e meio antes, em Junho, em simultâneo com a detenção de Marcelo Odebrecht foram também detidos no quadro da operação Lava Jato, accionistas e gestores das construtoras Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa (dona da Cimpor onde trabalhou Armando Vara). As três empreiteiras trabalham em Portugal e são suspeitas de crime de formação de cartel, fraude em licitações, corrupção de agentes públicos, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

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