A crise económica não é uma tragédia para o teatro grego

Espectadores continuam a ir ver peças mas há 92% de desemprego entre actores e muitos não são pagos. IVA vai baixar nos bilhetes. Cinemas vivem maiores dificuldades.

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O teatro de Epidaurus encheu-se para ver uma comédia política com 2400 anos Lefteris Karagiannopoulos/REUTERS

Numa noite de Verão sufocantemente quente, o antigo anfiteatro grego de Epidaurus está cheio para uma actuação de uma peça de 2400 anos de Aristófanes – um testemunho do duradouro amor dos gregos pelo teatro apesar de anos de uma esmagadora crise económica.

Apertados de dinheiro, os gregos abdicam de ir ao cinema e outros luxos, mas as vendas de bilhetes para o teatro prosperam – mesmo tendo os teatros dificuldades em cobrir os seus custos e com os actores muitas vezes sem receber.

É frequente que os gregos identifiquem ecos, mesmo nos dramas mais antigos, dos seus actuais tormentos e a comédia de intriga política de Aristófanes Ecclesiazusae (As Mulheres no Parlamento, também conhecida como Assembleia de Mulheres), em que as mulheres assumem o controlo de Atenas e instalam um governo de tipo comunista, não é excepção. A principal personagem feminina está vestida como a inflamada presidente do Parlamento, Zoe Konstantopoulou.

“Os tempos são mais difíceis financeiramente, mas nunca abandonaria o teatro. É uma forma de educação cultural. Não se pode substituí-lo”, disse Maria Tsilibi, professora e uma das 20 mil pessoas que acorreram a ver Ecclesiazusae. “É uma parte importante da nossa história”.

As palavras “teatro”, “tragédia” e “comédia” são gregas, recuando à era dourada de Atenas no século 5 A.C., quando dramaturgos como Aristófanes, Sófocles ou Ésquilo usavam espaços como o Epidaurus para explorar a condição humana.

“Reduzi os meus gastos no cinema, na bebida, em festas, mas ainda não cortei no teatro”, disse o estudante Spyros Giannakakos. “É parte do nosso orgulho nacional; conseguimos a catarse através disto e é do que precisamos hoje.”

A catarse, um conceito-chave do drama ancestral grego, implica a ideia de uma limpeza, mas não existe sem algum sacrifício – algo que dizem tanto actores quanto proprietários de teatros, que pintam um quadro sombrio do que se passa nos bastidores.

Filme mais negro

“O público do teatro é leal e está sempre a crescer, mas isso não deveria esconder o facto de que as peças actuais são feitas com orçamentos muito baixos e que muitos actores não são pagos, sobretudo os mais jovens”, diz Nikos Chatzopoulos, secretário-geral do Sindicato dos Actores.

O desemprego entre os actores já atingiu uns esmagadores 92%, diz Chatzopoulos, mas ainda assim as escolas de artes dramáticas continuam a formar cerca de 500 actores todos os anos. O número de peças levadas à cena na Grécia deve aumentar de 858 na última temporada para cerca de mil na próxima temporada, que começa já em Outubro, estima Maria Kryou, editora de Teatro do mais popular guia citadino da Grécia, o Athinorama.

“As pessoas ainda visitam os teatros porque os bilhetes são muito mais baratos do que costumavam ser. Mas as peças não são rentáveis para os proprietários dos teatros. Só cerca de 15 teatros conseguem fazer face às despesas e cobrir os custos”, explicou o gestor do Teatro Athina, Dimitris Fotopoulos.

Já os cinemas – outra palavra grega – estão a viver momentos mais difíceis. “Os nossos números oficiais mostram um declínio [na venda de] bilhetes de cinema”, afirma Annie Kazerou, porta-vos do Centro de Cinema Grego. “De 11,7 milhões de bilhetes [vendidos] em 2010, no ano passado foram só 8,9 milhões. Este ano, apesar de ter começado de forma ambiciosa por causa de algumas produções de Hollywood, os números caíram”, contabilizou, acrescentando que os cinemas sofreram mais quando o governo impôs o controlo de capitais este Verão quando se temia que a Grécia poderia sair do euro.

O novo resgate que a Grécia está a negociar com a União Europeia e com o Fundo Monetário Internacional implicará que o IVA vai aumentar  para 23% nos cinemas. Em contraste, o governo grego vai cortar o IVA nos bilhetes de teatro e reduzi-lo para 6% para ajudar a apoiar a produção artística interna. As salas de concertos Gazarte e a Athinon Arena, em Atenas, passaram de albergar espectáculos musicais para serem casas para o teatro.

Os bilhetes para as peças com actores conhecidos antes custavam entre 20 e 40 euros e agora baixaram para 10 ou 25 euros – ou há promoções e assinaturas que tornam os ingressos ainda mais baratos. Um bilhete de cinema custa 5 a 8 euros.

Giannis Zouganelis, um dos actores mais conhecidos da Grécia, é um dos protagonistas de Ecclesiazusae. Tem uma explicação simples para a ligação continuada dos seus compatriotas ao teatro. “As pessoas precisam de se sentir humanas. Se Atenas não encenar muitas peças, quem as encenará? Os holandeses? Eles produzem tulipas, vacas. Nós produzimos teatro”. 

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