Patrões obrigados a dar horário flexível a 700 pais trabalhadores desde 2011

Pedidos dispararam desde que entraram em vigor na Administração Pública as 40 horas semanais, em Setembro de 2013, que tornaram mais difícil para os pais conciliar a vida profissional e familiar.

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O período de licença exclusiva do pai passa a prever o gozo obrigatório de 15 dias úteis em vez de dez, após nascer ?o filho Paulo Ricca/Arquivo

Desde 2011, as entidades patronais foram obrigadas pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) a dar um horário flexível a perto de 700 pais trabalhadores, um direito previsto na lei para profissionais com filhos menores de 12 anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica. Em 81% dos casos os pareces vinculativos da comissão foram favoráveis aos trabalhadores, tendo havido nos últimos cinco anos apenas 165 situações em que a CITE validou a recusa dos patrões.

Os pedidos dispararam desde que entraram em vigor na Administração Pública as 40 horas de trabalho semanal, em Setembro de 2013, que tornaram mais difícil para os pais conciliarem a vida profissional e familiar. Isso mesmo explicou ao PÚBLICO Pedro Faria, jurista da CITE, que adianta que a maioria dos pedidos foram interpostos por enfermeiros. “Este é um direito previsto na lei que tem, por isso, que ter alguma protecção. Mesmo que não seja possível ao empregador aceitar na globalidade o pedido do trabalhador, deve fazê-lo na medida do possível, seja, a 50% ou a 80%”, afirma Pedro Faria.

O horário flexível permite aos trabalhadores escolher, dentro de alguns limites, as horas de início e de fim do trabalho diário. O empregador determina um ou dois períodos de presença obrigatório, com a duração de metade do horário de trabalho diário. Depois o funcionário ajusta o horário aos seus interesses de acordo com uma janela previamente definida pelo empregador, podendo efectuar até seis horas consecutivas de trabalho e até um máximo de dez horas por dia. Nuns dias pode trabalhar mais horas e noutros menos, devendo o balanço final, efectuado a cada quatro semanas, corresponder ao número habitual de horas de trabalho.   

Os números confirmam o aumento. Nos últimos cinco anos, aquela comissão emitiu 683 pareceres não favoráveis às entidades patronais, após pedidos dos trabalhadores que pretendiam beneficiar do horário flexível. Em 2011 e 2012, a CITE emitiu apenas 174 pareceres deste tipo, 119 dos quais favoráveis às pretensões dos trabalhadores. No ano seguinte, em que os funcionários públicos foram obrigados a trabalhar mais cinco horas por semanas, o número de pedidos disparou para os 159 e, em 2014, para os 329. Só nos primeiros cinco meses deste ano, chegaram à comissão 186 pedidos de parecer, 148 dos quais permitiram aos pais beneficiar do horário flexível.

A lei obriga os patrões a recorrer à CITE sempre que pretendam recusar este regime de horário.  Esta comissão emite depois um parecer vinculativo, que vale até existir uma decisão judicial contrária, nos casos em que os empregadores decidem recorrer aos tribunais.  

O procedimento é semelhante no caso dos trabalhadores com filhos menores de 12 anos que pretendam passar a trabalhar a meio tempo. Como neste caso, o profissional perde o direito proporcional ao salário, esta possibilidade é muito menos utilizada. Desde 2011, só chegaram à CITE 20 casos, tendo em seis sido validada a recusa do empregador e em cinco este obrigado a aceitar o trabalho a tempo parcial (não há informação sobre o sentido dos restantes pareceres).

A possibilidade de os pais passarem temporariamente a trabalhar a tempo parcial já está prevista na lei há vários anos. Contudo, no final de Julho, foi aprovado na Assembleia da República um regime mais favorável, apenas para os funcionários públicos, que trabalhando a meio tempo passam a receber 60% do salário habitual, ou seja, mais 10% do que no regime anterior. A nova lei, que entra em vigor em Setembro, alarga a possibilidade de trabalho a meio tempo aos funcionários públicos com mais de 55 anos que tenham netos com menos de 12 anos.

Mas os funcionários públicos já beneficiam de outros regimes, como a possibilidade de trabalharem em jornada contínua, ou seja, durante sete horas seguidas, com meia hora de pausa para almoço que é contada como tempo de trabalho. Mas apesar de estar prevista tanto no antigo regime do trabalho em funções públicas, como na lei geral que o seguiu, não é fácil para os trabalhadores obterem a respectiva autorização das entidades patronais. No caso dos oficiais de justiça, muitos pais beneficiavam destes regime até final do ano passado, o que foi revogado em Outubro de 2014, após a entrada em vigor da nova lei.

“Por considerarem justificada a manutenção de tal direito e, em alternativa, 40 daqueles oficiais de justiça vieram solicitar à Direcção-Geral da Administração da Justiça autorização para a prestação de trabalho em regime de jornada contínua”, reconhece aquele organismo, numa resposta enviada por email ao PÚBLICO.

Mas o director-geral, Pedro Lima Gonçalves, indeferiu os pedidos, tendo, em alternativa, autorizado os oficiais de justiça a trabalhar em horário flexível. Justificou o indeferimento com o poder “discricionário” da Administração para definir quais as situações excepcionais em que o trabalhador pode recorrer à jornada contínua, o “elevado défice de oficiais de justiça” e o facto destes receberem um suplemento para recuperar atrasos processuais. Pedro Lima Gonçalves admite autorizar a prestação de trabalho na modalidade de jornada contínua “em situações absolutamente excepcionais e devidamente comprovadas, das quais resulte a impossibilidade absoluta de praticar outra modalidade de horário”.

O presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça, Carlos Almeida, critica o Governo, que diz aprovar novas medidas de apoio à natalidade mas não dá orientações para que na Administração Pública se utilizem os mecanismos já existentes na lei.

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