É preciso tratar a crise dos refugiados como uma emergência civil, avisa ONU

É pouco provável que impor medidas de segurança seja eficaz só por si”, diz agência das Nações Unidas para os refugiados sobre a situação no Túnel da Mancha.

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Migrantes que passaram uma das primeiras vedações protectoras do túnel da Mancha PHILIPPE HUGUEN/AFP

Para enfrentar a crise dos refugiados que a União Europeia não bastam meias medidas. “Não podemos deixar que se desenvolvam novos Calais”, que continue a situação “vergonhosa” nas ilhas gregas, a porta Sudeste da Europa, afirmou Vincent Cochetel, director para a Europa do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). “Tratemos o caso como uma catástrofe natural, mobilizando meios próprios da protecção civil”, sugeriu.

A geografia não vai mudar, frisou. A Europa vai continuar a ser o horizonte mais seguro para milhões de pessoas que vivem em países em guerra, com economias destruídas por conflitos, pelo clima, por governações incompetentes.

A “vasta maioria” dos que chegam à Grécia vêm de países onde há guerra ou violações dos direitos humanos, como a Síria, o Afeganistão, ou o Iraque – os sírios representam 63% das chegadas desde o início do ano, avançou Chochetel. Muitos precisam de assistência médica urgente, água, alimentos, abrigo e informação – e todos estão exaustos. Mas não têm nada disso quando chegam às ilhas gregas.

No Porto de Calais, no Norte de França, concentram-se cerca de 3000 que querem ir para o Reino Unido, mas não têm os documentos necessários para pedir asilo do outro lado da Mancha. Nos últimos tempos, as tentativas de atravessarem ilegalmente o Eurotúnel – a pé, ou infiltrando-se nos camiões que cruzam o canal que liga os dois países – têm causado grandes perturbações no tráfego. E mortes: pelo menos dez, desde o início de Junho.

“Esta é uma crise gerível”, afirma Cochetel, mas tem de ser enfrentada a sério, porque se prolonga já há 14 anos, e “vai continuar”. “É pouco provável que impor medidas de segurança seja eficaz só por si”, afirmou a porta-voz do ACNUR Melissa Fleming na mesma conferência de imprensa em Genebra.

Tal como na Grécia, o ACNUR apela a França para abrigar os migrantes em quartéis desocupados – em vez de os deixar em acampamentos ilegais, sem condições – e recomenda que seja revisto o processo dos pedidos de asilo em França. Este exige que se passem sete semanas antes de serem registados, quando em muitos países europeus são processados no mesmo dia, diz a agência da ONU.

São feitas também críticas a Londres, que o ACNUR acusa de falta de cooperação, por recusar-se a apreciar os pedidos de asilo de pessoas que têm laços confirmados com país. “Pedimos ao Reino Unido e outros países da União Europeia que colaborem com as autoridades francesas. A situação em Calais é em grande parte o resultado de uma aplicação não coordenada e parcial do sistema comum europeu de asilo.”

Mudar Dublin
A falta de vontade dos países da UE em cooperar no tema da imigração é notória – não conseguiram sequer pôr-se de acordo para receber 40 mil refugiados, como tinha pedido a Comissão Europeia em Abril. Acordaram em distribuir cerca de 32 mil, num esquema voluntário, ao longo de dois anos. Mas há protestos anti-imigrantes em vários países da Europa de Leste e Central, promovidos por partidos nacionalistas e de extrema-direita – esta semana houve um na Letónia.

Guy Verhofstadt, o líder do grupo liberal (ALDE) do Parlamento Europeu, escreveu na quinta-feira ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, a pedir a convocação de uma cimeira sobre imigração, para discutir “uma situação cada vez mais insuportável” nas fronteiras europeias. “Se é preciso algo que nos recorde que o actual sistema de imigração e asilo da UE não é adequado, as mortes no Mediterrâneo e em Calais dão-nos testemunho disso”, escreveu o ex-primeiro-ministro belga.

Só no Mediterrâneo, a Organização Internacional das Migrações anunciou no início da semana que já tinham morrido este ano 2000 pessoas – mas na quarta-feira, num novo naufrágio, 200 pessoas pereceram ao largo da Líbia.

Entre as propostas dos liberais europeus está a alteração do Regulamento de Dublin, que obriga os requerentes de asilo a registarem o seu pedido no primeiro país da UE em que entram – por exemplo, Itália ou Grécia. Isso dá direito aos restantes países da UE a enviá-los de volta para lá, se estiverem noutro país – como o Reino Unido, por exemplo. Este esquema coloca uma enorme pressão sobre os países de chegada, com os quais os restantes países europeus têm mostrado muito pouca solidariedade.  

Tudo isto se passa num momento em que nunca houve tanta gente a mover-se globalmente, e ao mesmo tempo há uma hostilidade crescente em relação à imigração. Quase metade da população nas economias mais ricas considera que há demasiados imigrantes no seu país, revela uma sondagem do Instituto Ipsos. Para 46%, a imigração está a fazer a sua nação mudar de uma forma que não lhes agrada. A Turquia, o país que mais refugiados sírios recebeu – deve atingir 1,9 milhões este ano –, lidera este grupo (84%), seguida de Itália, porta de entrada dos imigrantes no Mediterrâneo (65%).

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