Apoio psicológico a agentes da PSP cresceu 50% desde 2011

Gabinete de Psicologia do Sindicato dos Profissionais de Polícia dá resposta a 3000 consultas por ano. Crise, problemas familiares e exaustão no trabalho são os problemas mais frequentes.

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Dados recolhidos entre 2006 e 2009 indicavam que a principal causa de morte não natural na PSP nesses anos foi o suicídio Rui Gaudêncio

João tem 30 anos e três filhos. É agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) e, por fora, faz alguns biscates para conseguir pagar as contas. A pressão no trabalho e a incapacidade de dar resposta às contas dos três filhos de três mulheres diferentes trouxeram uma frustração que rapidamente caminhou para depressão e para ideias de suicídio. O nome é fictício, mas o caso é real e está a ser acompanhado pelo Gabinete de Psicologia do Sindicato dos Profissionais de Polícia, em Lisboa. O número de consultas disponibilizadas por este serviço disparou de praticamente 2000 em 2011 para mais de 3000 em 2014 – o que corresponde a um crescimento de 50%. A psicóloga Sandra Coelho, à frente do gabinete, não tem mãos a medir. Há pelo menos 20 polícias em lista de espera e 70 a serem acompanhados em permanência.

Nos quatro dias de consulta por semana, Sandra Coelho e as outras duas colegas têm em média 15 consultas por dia. Dão acompanhamento individual e em grupo, para explorar as vantagens de colocar os agentes em diálogo. “Normalmente são pessoas muito isoladas, que guardam os problemas e o primeiro passo é perceberem que não estão sozinhas”, diz ao PÚBLICO. O crescimento da procura de apoio tem sido consistente, “mas disparou com a crise”, com o gabinete a juntar agora ao apoio psicológico o fornecimento de bens alimentares, de higiene ou mesmo roupa para os agentes, mulheres e filhos. A própria PSP também tem um gabinete de psicologia com mais de 8000 consultas por ano. Mas a psicóloga do sindicato diz que o simples facto de os agentes estarem fardados afasta muita gente. “Ainda há receio de rótulos.”

Ao gabinete do Sindicato dos Profissionais de Polícia chegam “sobretudo homens, entre os 25 e os 35 anos, que falam de exaustão laboral e isolamento das famílias. Estão deslocados, longe dos pilares psicoafectivos e mesmo assim não têm dinheiro para pagar as contas. Acabam por ressentir-se no exercício da profissão”, explica Sandra Coelho. Há também vários casos entre os 35 e os 50 anos, mas em que “as dívidas, os divórcios e os segundos casamentos” são os problemas mais abordados.

A psicóloga garante que os casos existem desde sempre, mas com uma subida a fazer-se sentir desde há cinco anos. “Sempre houve queixas, mas com a crise de 2011 o número disparou. Há um grande sentimento de revolta em geral, com os cortes, com os problemas familiares. Ao mesmo tempo acaba por haver menos vergonha em pedir ajuda. Aos factores de personalidade juntou-se a crise e os polícias chegam a situações limite que desencadeiam até processos disciplinares e perdem parte do salário o que leva a novos problemas económicos”, acrescenta a especialista.

João verbalizou nas consultas que já pensou várias vezes em matar-se. Era a saída que via para deixar de ser confrontado com as antigas companheiras com os constantes pedidos de coisas para os filhos. “Sentia-se menos homem por não ter uma relação estável e por não conseguir dar as coisas aos filhos de quatro, sete e nove anos”, resume Sandra Coelho. O tema do suicídio é recorrente e motivo para colegas e comandantes aconselharem o gabinete de psicologia aos agentes. O sindicato não tem dados actualizados – até porque é difícil ter certezas sobre os desfechos – mas estima que pelo menos sete agentes já tenham posto um fim à vida neste ano.

O último caso foi na terça-feira, quando um agente da PSP, de 36 anos, foi encontrado inconsciente no parque de estacionamento do Aeroporto de Lisboa, acabando por morrer no hospital. Segundo um comunicado da PSP, o homem estava colocado desde 2004 no Comando Metropolitano de Lisboa da PSP e tudo indica que se terá suicidado com recurso à arma de serviço. O PÚBLICO solicitou dados sobre esta realidade à Direcção Nacional da PSP, mas que através do gabinete de relações públicas explicou que não divulga estas estatísticas por considerar que podem incitar mais suicídios.

Sandra Coelho reconhece que o tema é delicado, mas não acredita na eficácia do silenciamento. Aliás, em articulação com o Sindicato dos Profissionais de Polícia está a preparar alguns artigos sobre o tema que serão incluídos nas próximas edições da revista desta estrutura. “A ideia é falar do burnout, do limite a que se chega e da gestão do stress. É preciso falar disto o ano todo para chegarmos aos vários casos e aos familiares. Não basta quando há um suicídio, as pessoas precisam é de chegar ao apoio a tempo”, diz. Só neste ano, a especialista fez 50 recomendações de retirada temporária das armas aos agentes. “Estão todos mais atentos a esta questão da arma, mas sabemos que eles têm por vezes armas pessoais. Mas é um princípio”, diz.

A psicóloga recorda também um estudo que divulgaram em 2010, com base em dados recolhidos entre 2006 e 2009 e que indicava precisamente que a principal causa de morte não natural na PSP nesses anos foi o suicídio. Nos anos em análise estimam que tenham acontecido mais de 20 suicídios e o gabinete de psicologia está a recolher agora dados de 2014 e 2015 para tentar apresentar até ao final do ano um novo trabalho sobre os problemas psicológicos dos casos a que dá resposta.

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