Corelli e Haendel...segue a contenda

Amandine Beyer, Raquel Andueza e Gli Incogniti interpretaram obras de Corelli e Haendel no Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim.

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Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim

A exímia violinista Amandine Beyer, o experiente grupo Gli Incogniti (por ela dirigido) e a soprano Raquel Andueza foram os protagonistas de um concerto que, alternando concertos grossos de Arcangelo Corelli e cantatas e árias de Georg Friedrich Haendel, celebrou o encontro dos dois compositores na cidade de Roma no início do século XVIII.

Este concerto, que encerrou a 37.ª edição do Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim, merece ser recordado pela qualidade da interpretação instrumental de Amandine Beyer e do grupo Gli Incogniti. Pelo contrário o desempenho vocal de Raquel Andueza foi uma decepção, não fazendo jus ao mediatismo da cantora no âmbito da música antiga.

A orquestra, constituída por 15 músicos - distribuída no palco de forma simétrica com a secção de contínuo ao centro - destacou a escrita contrapontística de Corelli, valorizando as diversas passagens concertantes e imitativas entre o concertino (solistas) e o ripieno (restante orquestra). Esta interpretação confirmou a excelente qualidade dos intérpretes e a sua cumplicidade, concretizando-se numa clara definição de tempo e de carácter dos vários andamentos, assim como num eficaz contraste de affetti. Estas características foram particularmente evidentes no concerto da chiesa Opus 6 nº 7, embora os concertos Opus 6 nº 8 e nº 10 também tenham sido interpretados com elevada qualidade. À maturidade musical de Beyer juntou-se a cumplicidade de Roca e Kawakubo (que tocaram o 2º violino do concertino) e a vivacidade e precisão do violoncelista Knecht, proporcionando uma audição clara dos elementos mais estruturantes e definidores da obra de Corelli.

Quanto à interpretação das obras de Haendel faltou uma cantora à altura da orquestra. Na cantata Tu fedel?, tu costante?, iniciada por uma exuberante sonata em trio, Andueza interpretou com desenvoltura o primeiro recitativo. No entanto, a interpretação da primeira ária foi um prenúncio do seu frágil desempenho vocal ao longo do concerto. A cantora procurou valer-se da articulação do texto e da postura dramática para compensar fragilidades vocais e interpretativas diversas: dificuldades de afinação, falta de equilíbrio dos registos vocais e consequente falta de uniformidade tímbrica, dificuldade de execução da coloratura, falta de sentido formal, entre outros aspectos essenciais para uma boa interpretação deste repertório fundamental da arte do bel canto. Enfim, um vasto número de problemas incompreensíveis a este nível profissional! Para além disso, a sua proposta dramática foi essencialmente baseada em artifícios, revelando falta de compreensão da intenção retórica haendeliana. Foi assim uma interpretação superficial se compararmos com a cuidadosa interpretação instrumental, esta revelando um claro domínio dos recursos estilísticos deste reportório.

Em Tu del Ciel ministro eletto, cuja expressiva melodia apresenta frequentes mudanças de registo, a dificuldade de afinação de Anduezza foi particularmente evidente, prejudicando o sentido expressivo desta maravilhosa ária que integra a primeira oratória romana de Haendel – Il trionfo del Tempo e del Disinganno (1707). No final do concerto, o simpático público aplaudiu Anduezza dando azo a um encore, recaindo a escolha na repetição desta ária. Mais uma vez faltou à soprano um “golpe de asa” que pudesse deixar uma imagem diferente (por pequena que fosse) e minimizar de algum modo o seu débil desempenho. Por contraste a violinista Amandine Beyer e o grupo Gli Incogniti mereceram todos os aplausos do público presente, que certamente desejava escutar mais uma obra instrumental. Valeu o concerto pela excelente execução destes e, pena é que não tenha sido exclusivamente preenchido, por exemplo, pelos concertos grossos de Corelli, gravados em 2013 pelos mesmos intérpretes na efeméride dos 300 anos da morte do compositor.

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