Health: Uma mina de ouro (ou o fim da picada)

Os Health demoraram seis anos a dar seguimento ao monumental Get Color e voltaram com um álbum que está mais próximo da banda-sonora que fizeram para um videojogo do que dos discos anteriores. Pode ser o salto para os estádios — se não correr terrivelmente mal.

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Seis anos depois, os Health voltam à actividade com Death Magic e é incerto se o mundo está disposto a recebê-los de braços abertos DR
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É correcto afirmar que Death Magic é uma continuação da banda-sonora de Max Payne 3 – ou uma adaptação desse som (electrónico, sintéctico, negro) ao registo-canção de tendência épica DR

Por volta de 2009, uma banda até então quase desconhecida ganhou uma visibilidade tal que, a haver uma bolsa de apostas do rock'n'roll, seria avisado colocar dinheiro na probabilidade de os Health se tornarem enormes. Tudo culpa de um disco, Get Color, em que, submersas no ruído vindo das seis cordas de uma guitarra eléctrica, melodias cirandavam em fundo.

Seis anos depois, os Health voltam à actividade com Death Magic e é incerto se o mundo está disposto a recebê-los de braços abertos – ou pelo menos os antigos fãs, que os acusaram de se terem vendido quando fizeram a banda-sonora de um videojogo. Por outro lado, os fãs do videojogo tornaram-se fãs. O mundo é complicado.

Na pop, seis anos é tanto tempo que uma demora assim só se justifica à luz das milhentas dificuldades inerentes à demanda por uma obra-prima. Ou nem por isso: “Ser músico não é assim tão difícil. Estás bêbado, tomas drogas e depois dás um concerto. Não estamos 16 horas a trabalhar, como um cineasta. Não temos de saber coisas complicadas, como um cientista”, diz Jake Duzsik, o líder da banda.

Ponto um: Death Magic, mesmo sendo um disco negro (como Get Color o era), não podia estar mais distante do seu antecessor. As guitarras desapareceram e deram lugar a sintetizadores e caixas de ritmos. Estamos em território Depeche Mode em dia de mau humor.

Ponto dois: Jake Duzsik pode até ser o líder de uma banda com um certo pendor para os momentos mais sombrios da vida, mas em conversa tem uma tendência notória para o non-sense. “Eu adoro dizer merda”, confessa a dada altura. “Se seguires a nossa conta no Twitter, vais notar que só dizemos merda. E é de propósito. Porque toda a gente é politicamente correcta. Eu acho que nasci para dizer merda.”

Mais tarde na conversa irá pôr esta sua vertente em prática – disparando em todas as direcções, abordando todos os assuntos que lhe vêm à cabeça, dizendo tudo o que lhe ocorre. Para demonstrar a sua falta de talento para viver, não só afirma que nasceu “para falhar” como conta que ainda há pouco tempo caiu numa escadaria em Roma e deslocou um ombro. Que interesse é que isto tem? “Nenhum, meu. Mas dá que pensar: quantos americanos vão a Roma e tropeçam numa escadaria e deslocam um ombro? Nenhum." Ainda terá tempo para afirmar que “Donald Trump é a melhor coisa que aconteceu à política americana – não porque seja um bom político mas porque é hilariante que traduza tão bem as aspirações do americano médio”. Duzsik não planeia votar em Trump, só acha divertido “ver os republicanos a auto-destruírem-se”: “Ele está a fazer publicidade, não o podemos levar a sério.”

Também confessará, ao longo de uma conversa em que falou pelos cotovelos e manifestamente não queria largar o telefone, que o seu sonho é “estar perpetuamente só e nadar, como o Hemingway”, uma declaração passível de ser classificada como "momento mais what-the-fuck?" dos últimos tempos. Também falou em espanhol; quando lhe perguntámos como adquiriu esse talento, respondeu: "A minha prima – que é quase como uma irmã para mim – é casada com um equatoriano e eu queria aprender espanhol, de modo que fui estudar para Espanha." Aqui começa a falar da prima, da família, de viagens pela Europa, e nisto vai parar à história do ombro, entre outras. O sujeito preocupado com o lado negro da vida com maior propensão para o disparate que alguma vez vimos.

E nisto quase nos íamos esquecendo do ponto três: “Não há uma única e específica razão para termos demorado seis anos a fazer um novo disco." De resto, matematicamente falando, nem sequer foram bem seis anos, porque entretanto fizeram outras coisas: andaram “em digressão durante para aí dois anos”, depois fizeram “um disco de remisturas” e voltaram a “ir em digressão”. “Não faço a mínima ideia porquê”, interroga-se Jake, “mas não paravam de nos convidar para dar concertos. Talvez as pessoas gostem de barulho”.

Ora, chegado o momento em que as digressões amainaram, os Health foram contactados para fazer a música de um videojogo, Max Payne 3, o equivalente a um Assalto ao Arranha-Céus 3 ou a um A Guerra das Estrelas 3. “Demorámos um ano a fazer essa banda-sonora. Ora: dois anos em digressão, um ano a fazer a banda-sonora, eu diria que nessa altura já íamos em três anos sem editar nada desde Get Color." Duzsik acha que a banda “não se vendeu”, seja lá o que isso for, por compor a banda-sonora de Max Payne 3. Primeiro: “Chegámos a imensa gente que não sabia que existíamos. Aliás, eu não fazia ideia de que um jogo arrastava tantas pessoas – é uma demografia completamente diferente do nosso público tradicional. Sei que gostaram da música, mas duvido que se dêem ao trabalho de ir a um concerto nosso”, diz. Segundo: Death Magic "é uma espécie de continuação desse som", que não constituiu portanto um intervalo comercial no trajecto da banda: “Se ouvires a música que fizemos para o Max Payne 3, era tudo muito electrónica negra”, continua o homem que antes de ser estrela rock ganhava a vida a escrever historiais médicos de pacientes. “A ideia de que abandonámos o nosso som porque usámos sintetizadores e estamos mais próximos do registo-canção – isso não faz sentido. O som que ouves em Death Magic faz parte da linguagem musical de hoje. Quando um velho tenta imitar os putos, isso pode ser mau. Mas nós não somos velhos e mudar a cada disco sempre foi o plano."

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Em busca do som
É correcto afirmar que Death Magic é uma continuação da banda-sonora de Max Payne 3 – ou uma adaptação desse som (electrónico, sintéctico, negro) ao registo-canção de tendência épica. Portanto, não estamos em território Depeche Mode em dia de mau humor, estamos em território Depeche Mode se fizessem bandas-sonoras de videojogos e depois tentassem torná-las hinos de estádio (caso o estádio estivesse repleto de suicidas).

Agora Duzsik afiança que Get Color “tinha um som muito sujo e fodido": "Não quero dizer mal do disco, porque muita gente gostou dele, mas o que nós realmente queríamos fazer era o Dark Side of the Moon” (vale a pena fazer notar que quando Get Color saiu Duzsik nunca mencionou ter outra intenção que não a de fazer o disco que fez). “Desta vez queríamos um disco electrónico, porque era nessa direcção que estávamos a ir. Uma canção da Taylor Swift soa mais agressiva do que uma canção punk antiga por causa do som. Isso tornou-se uma obsessão e estamos orgulhosos do resultado."

O som foi aliás o grande problema de Death Magic, o problema que levou três anos a resolver: “Na prática já tínhamos as canções – mas ainda lhes faltava qualquer coisa: era o som, que não estava bom”. Os Health queriam “um som grande”, “um som definido”, “um som épico”. Os Health, diz o líder, “não são só fãs de música" – são "fãs de som". Daí que, algures neste processo, o pânico tenha feito a sua aparição: "Na altura tudo nos pareceu catastrófico. Quando se passam quatro anos desde o teu último disco, queres pôr qualquer coisa cá fora; quando chegas a cinco, pensas: já passou tanto tempo, que se foda."

O que se foda pode ser Flesh world, que soa a uma versão putrefacta dos Communards. “Ainda assim”, continua o homem que está em crer que mais ninguém alguma vez caiu numa escadaria de Roma, “o disco é bastante aventureiro”. E se por aventureiro quiser dizer ruidoso, então Men today corrobora a sua opinião.

No fundo, Death Magic é o disco de Duzsak e ele admite-o: “Dantes eu quase não escrevia melodias, de tão ruidosa que a banda era. Agora escrevo. Neste disco tive um papel maior do que o normal porque há muito mais vozes. Nos primeiros discos pensávamos muito nos My Bloody Valentine, que usavam as vozes como instrumentos. Mas nós há muito que queríamos percorrer este caminho." E percorrem: aqui há canções. Por vezes bastante boas. Simplesmente radicalmente diferentes daquelas a que os Health nos haviam habituado.

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Como com tudo o resto, Duzsak tem uma teoria sobre isto: “Quando começas uma banda, queres ser cool e sentes que quanto mais as pessoas percebem o que estás a cantar, mais te expões a ser gozado. Os My Bloody Valentine fazem música bonita mas nunca se expõem. Neste caso as vozes tinham de ser mais claras. Queríamos 'dark electronic huge pop' [sic]. Queríamos expor-nos. Queríamos não ter medo do ridículo."

E pronto, conseguiram-no. Duzsak deixa uma promessa: “Se voltarmos a demorar seis anos a fazer um disco, não há mais banda." Pelo meio confessa que “houve tanto stress entre a banda” que os Health estiveram quase a irem à vida. Agora que Death Magic está cá fora, há “um certo alívio": "As obras não se acabam, abandonam-se. E nessa altura é terrível, porque vais ser julgado pelas pessoas. Mas ao mesmo tempo é o fim de um processo. Por isso que se foda, digam o que quiserem."

Está bem, dizemos: Death Magic é um disco muito aceitável de pop electrónica negra, mas falta-lhe o imenso charme de Get Color. Agora, pela lógica, isto vai vender uma catrefada de discos. Caso não venda, há um problema: perdem os antigos fãs e não capitalizam nos que os descobriram com Max Payne 3. Resumindo: pode ser o fim da picada ou o início de uma mina de ouro.

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