Ofertas abaixo dos 4900 milhões “atrasam” venda do Novo Banco

Valores inferiores significam perdas a suportar pelo conjunto do sistema, o que afectará a Caixa Geral de Depósitos com 30% do mercado, e, por essa via, os contribuintes. Absorvendo “prejuízos”, os bancos degradam os resultados e descem as receitas do Estado

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O Governo e o BdP têm vindo a ajustar as suas expectativas optimistas iniciais de que a transacção do Novo Banco se faria próximo dos 4900 milhões Daniel Rocha

Os três candidatos à compra do Novo Banco entregaram ofertas de numerário bastante abaixo dos 4900 milhões injectados na instituição, o que já levou o Banco de Portugal a pedir propostas melhoradas e a dilatar o prazo para fechar o dossier.

Depois do fim-de-semana “negro” que ditou o colapso do BES e que culminou no anúncio da intervenção estatal a 3 de Agosto de 2014, pelas 22h45, o Novo Banco mantém-se na alçada do BdP. O que contraria a indicação inicial de Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, de que a instituição agora liderada por Eduardo Stock da Cunha passaria para a esfera privada “até final de Julho de 2015”.

Mas este é um processo cujo balanço final depende do resultado da venda do Novo Banco e do seu impacto nos contribuintes. Isto, dado que o segundo maior banco privado português, que foi durante mais de uma década um centro de poder gerador de conivências, faliu na praça pública à vista de todos com prejuízos históricos de 3600 milhões.

A morte fora anunciada um ano antes, o que pôs em evidência responsabilidades partilhadas entre o BdP e o Ministério das Finanças, mas também a CMVM. E mostrou que sempre que os timings são pautados por interesses de terceiros, políticos ou outros, mas  não os das instituições, há efeitos colaterais evitáveis (lesados na compra de dívida pública do grupo através do banco). Há quem defenda que o BES deveria ter sido intervencionado no final de 2013 quando se apurou uma exposição descontrolada ao GES e BESA).

A 3 de Agosto de 2014, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, emitiu uma nota a clarificar que “os contribuintes não terão de suportar os custos relacionados com a decisão tomada hoje “. E sendo o mecanismo do Fundo de Resolução uma escolha do Governo,  é previsível que o encaixe financeiro, ao melhor preço, seja o principal critério na escolha do futuro dono de um banco com 18% do mercado.

Hoje é voz corrente entre os investidores dizer que “comprar um banco é o mesmo que comprar problemas. E comprar um banco em Portugal [com níveis de crescimento económico incipientes] são problemas acrescidos.” E por maioria de razão, a tese aplica-se ao Novo Banco, condicionado pela sua própria natureza de transição, com um futuro cheio de incertezas: que “esqueletos” mantém em carteira (créditos de risco)? Que entidades vão responder perante as litigâncias que correm contra a instituição e que tenderão a prolongar-se por muitos anos? 

Este quadro de dúvida terá contribuído para que na última fase do concurso, que decorreu no final de Julho, o BdP tenha devolvido à proveniência as ofertas vinculativas dos três candidatos. Os chineses do Anbang (seguradora sem actividade em Portugal) e da Fosun (que comprou ao Estado a Fidelidade e ao Novo Banco a Saúde Luz) e o fundo de private equity norte-americano Apollo (que adquiriu ao Novo Banco a Tranquilidade) manifestaram intenções firmes de aquisição longe dos 4900 milhões que permitem ao BdP e ao Governo considerar a operação um êxito.

Note-se que o Estado emprestou ao Fundo de Resolução, fundeado no sector financeiro, 4400 milhões da linha estatal negociada com a troika. O Fundo, gerido pelo BdP, colocou no NB os restantes 500 milhões. Assim, qualquer proposta abaixo dos 4900 milhões traduzir-se-á numa perda a suportar pelo conjunto do sistema, o que afectará a Caixa Geral de Depósitos com 30% do mercado, e, por essa via, os contribuintes. E ao terem de absorver “prejuízos”, os bancos degradam os resultados o que se reflectirá igualmente em menos receitas para o Estado.

É a dimensão dos prejuízos que as autoridades procuram agora minimizar potenciando a venda do Novo Banco. E, por isso, solicitaram ao Anbang, à Fosun e à Apollo, que até 7 de Agosto submetam ao BdP novas intenções vinculativas. Uma parte de valor será para encaixar pelo vendedor, outra destina-se a recapitalizar o NB, que necessita de nova injecção de fundos até 1500 milhões. Contas feitas (e incluindo o polémico aumento de capital de Junho de 2014, ainda com Ricardo Salgado à frente do banco), com o apoio adicional que terá de ser realizado, a instituição terá recebido nos últimos 14 meses, cerca de 7500 milhões de euros.

As últimas semanas foram animadas por pistas, mas desconhece-se se estão na via correcta ou se afinal são fabricações para encorajar a resolução do NB. De acordo com a comunicação social, o envelope financeiro mais tentador será o da seguradora chinesa Anbang, criada em 2004: 3200 milhões em dinheiro, mais um milhão para recapitalizar o Novo Banco. Em 2014 a Anbang adquiriu o hotel Waldorf Astoria de Nova Iorque, por 1800 milhões de euros.

Fala-se ainda num cheque chorudo da Fosun que está neste momento sob escrutínio da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). Um ano depois da privatização, ficou a saber-se que a Fidelidade foi adquirida com o “pêlo do cão” e que a seguradora nacional tem sido usada para apoiar a estratégia de expansão do seu accionista.

No que respeita à proposta da Apollo, esta envolveria um banco, de modo a contornar eventuais reservas à entrega de 18% do mercado bancário a um private equity. Nos bastidores  referem-se contactos com os espanhóis do Santander e do Caixabank, com mais de 40% do BPI, mas em ruptura com os restantes accionistas na sequência do colapso da OPA que lançou sobre o banco gerido por Fernando Ulrich. 

O Financial Times noticiou mesmo que uma oferta vinda da China sairá ganhadora do concurso e refere uma proposta acima dos 4000 milhões de euros, sem esclarecer se o montante inclui a recapitalização. Mas a falta de rentabilidade do sistema financeiro (em 2014 a banca teve prejuízos de 900 milhões), a queda das bolsas asiáticas e a desaceleração da maior economia do mundo são um forte aviso para que os grupos chineses não se metam em aventuras. E a oportunidade de ganhar uma licença bancária na Europa (e estar na União Bancária), o que lhe permite acelerar o seu processo de diversificação e de expansão, pode passar por disputar grupos de menor dimensão.   

O Governo e o BdP têm vindo a ajustar as suas expectativas optimistas iniciais de que a transacção do Novo Banco se faria próximo dos 4900 milhões. O que os obrigou a colocar em cima da mesa uma quarta solução “não desejada”: a possibilidade de atrasar o fecho da operação até que as condições de mercado se tornem mais favoráveis. É a via que menos interessa a Pedro Passos Coelho e seria encarada como um falhanço. O ministro da Presidência, Luís Marques Guedes, veio, entretanto, colocar pressão sobre o Fundo de Resolução. E considerou uma "boa notícia" se a venda estiver concluída durante o mês de Agosto, “porque significaria que o processo não se arrastaria demasiado”. É este o prazo que o BdP espera cumprir para dar por concluído o dossier Novo Banco.

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