Morte de fotojornalista estabelece novo marco na violência contra a imprensa no México

“Temo por mim e pelos meus companheiros, não confio no Governo nem em nenhuma instituição do Estado”, dissera o repórter a organizações de defesa da liberdade de expressão.

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O assassínio de Espinosa é o primeiro a acontecer na capital, onde ele se tinha refugiado Reuters

O corpo de um repórter fotográfico desaparecido há dois dias foi encontrado este domingo num apartamento da Cidade do México, onde se encontrava refugiado desde Junho por causa de ameaças de morte recebidas pelo seu trabalho de jornalista. Ao lado de Rubén Espinosa, de 32 anos, que terá sido golpeado no rosto e abatido com dois tiros, encontravam-se outros quatro cadáveres, todos de mulheres que terão sido assassinadas na mesma altura.

Espinosa, que colaborava com a revista de grande reportagem e investigação Proceso e para as agências AVC Noticias e Cuartoscuro, fugiu do estado de Veracruz, onde trabalhava há mais de sete anos, depois de ter publicamente denunciado a perseguição de que era alvo . Na sua actividade profissional, destacou-se na cobertura de movimentos sociais, manifestações e protestos, tornando-se activista contra a violência organizada e em defesa da liberdade de imprensa.

“O homicídio de Rubén Espinosa estabelece um novo marco na violência contra a imprensa no México”, assinalou a Artículo 19, uma organização de defesa e promoção do direito à liberdade de expressão, que em Junho tinha documentado desaparecimentos forçados de jornalistas no estado de Veracruz. “A violência a que Espinosa estava sujeito era conhecida publicamente, pelo que a morte do repórter fotográfico produziu-se sem que as autoridades encarregadas da protecção dos jornalistas neste país tenham mexido um dedo”, lamentou a organização, em comunicado.

Espinosa tinha feito uma longa exposição sobre os riscos para o exercício da profissão e as agressões a jornalistas em Veracruz à Artículo 19 e ao Comité para a Protecção dos Jornalistas. “Temo por mim e pelos meus companheiros, não confio no Governo nem em nenhuma instituição do Estado”, confessou, depois de dar conta de acções de perseguição e intimidação, com grupos de homens encapuzados a segui-lo e ameaçá-lo durante o mês de Junho, com indicações de que se mantivesse calado.

Espinosa tinha dito numa entrevista que o estado de Veracruz, território dominado pelo perigoso cartel de génese paramilitar Los Zetas, atravessava uma profunda crise de segurança e impunidade, e tinha-se transformado no lugar mais perigoso do México para jornalistas: desde 2011, foram assassinados 15 repórteres em actividade.

Segundo o grupo Repórteres sem Fronteiras, em 2015 já foram mortos cinco jornalistas no México – quatro deles em Veracruz, “que se tornou um centro de tráfico de droga e de seres humanos”. “É triste pensar em Veracruz, onde tudo vai mal, o governo, a imprensa. A única coisa que vai bem é a corrupção. E a morte, que decidiu viver aqui”, declarou o fotojornalista ao portal Sinembargo.

Segundo a imprensa mexicana, Espinosa levou a sério as ameaças e, como outros jornalistas visados por grupos do narcotráfico em diferentes partes do México, exilou-se na capital do país, até agora considerada um refúgio seguro. “É a primeira vez que um jornalista deslocado internamente é assassinado na capital, e encaramos esse desenvolvimento com extrema preocupação. (…) É inconcebível, depois da morte de Espinosa, e do assassínio de 88 jornalistas, que as autoridades se atrevam a dizer que fazem tudo o que podem para proteger os jornalistas”, criticou a Artículo 19.

As autoridades mexicanas ainda não divulgaram qualquer informação relativa ao crime, que terá ocorrido na sexta-feira ou sábado. Amigos de Rubén Espinosa disseram ter trocado mensagens com ele às duas da tarde de sexta-feira: o jornalista informou ter passado a noite no apartamento de umas amigas, depois de uma festa, para não correr o risco de sair sozinho à noite. O seu plano, prosseguiu, era regressar à casa dos pais no mesmo dia – o mesmo amigo recebeu um telefonema de uma irmã de Rubén, no sábado à tarde, a perguntar pelo seu paradeiro.

Quando foram ao apartamento indicado, no bairro de classe média de Narvarte, depararam-se com equipas da polícia, que tinha sido alertada por um morador do prédio. No apartamento em causa, encontravam-se cinco vítimas de homicídio: Rubén Espinosa e quatro mulheres, três moravam no apartamento, a quarta era a sua empregada doméstica.

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