De corda ao pescoço pela falta de apoio à saúde mental em Portugal

Esta segunda-feira, um grupo de utentes e apoiantes da causa desfilaram à porta da Administração Regional de Saúde do Norte como forma de protesto contra a falta de apoio às doenças mentais em Portugal.

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Manuel Roberto

Eulália Pereira enverga uma camisola preta e uma corda ao pescoço. É mãe de um jovem com uma doença do foro psiquiátrico e diz que sem a associação portuense Encontrar+se sentir-se-ia assim mesmo, “de corda ao pescoço”.

Como Eulália, estiveram cerca de trinta pessoas a manifestarem-se silenciosamente à porta da Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-N). Familiares, voluntários ou até mesmo utentes da Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS)  Encontrar+se reuniram-se por uma causa: “A integração da IPSS na Rede de Cuidados Continuados nacional”, explicou o porta-voz da associação sem fins lucrativos, José Augusto Pereira. A Encontrar+se existe desde 2008 e, neste momento, já apoia cerca de 77 pessoas.

Neste momento, a IPSS só tem meios para manter a porta aberta por mais um ano. A corda ao pescoço tenta alertar para “uma situação terminal”, explica José Augusto Pereira. De momento, vivem de promessas.  “Obtemos sempre respostas vagas. Dizem que vão integrar num orçamento e depois em outro e nada está a acontecer”, acrescenta o porta-voz.

“A Encontrar+se tem um papel fundamental na minha história. Conseguiu apoiar o meu filho, mas também a mim que sou o seu pilar. Acima de tudo, deu-lhe a possibilidade de uma vida normal”, explicou Eulália. E sublinha ainda: “Tem uma função que os hospitais públicos não conseguem proporcionar. Por lá só consegui uma solução: medicação, medicação, medicação; mas aqui consegui que o meu filho recuperasse por si, foi-lhe devolvido o seu futuro”. 

Na IPSS são prestados serviços de psiquiatria, psicologia, grupos psicoeducacionais para familiares e utentes, assim como actividades para ocupação dos tempos livres com recurso ao teatro, à culinária, simples passeios. O principal objectivo passa pela promoção da integração do doente mental na sociedade.

Em causa está a falta de apoio a nível institucional: “Temos alguns apoios pontuais, relacionados com programas também esporádicos, mas encontramo-nos sempre no limite da linha de água”, realça José Augusto Pereira, defendendo que “dado a qualidade, a importância e o enorme buraco que a Encontrar+se preenche nos serviços de cuidados de saúde mental justificava-se um apoio muito maior, até mesmo uma integração no Serviço Nacional de Saúde”.

Anita Veiga tem 19 anos e é uma das 77 pessoas acompanhadas pela associação. Apesar da falta de confiança e de à vontade com que se sentia para vir à manifestação, a importância que a Encontrar+se tem na sua vida fê-la sair da zona de conforto. “Esta associação é o meu verdadeiro porto seguro, é onde eu mais confio e onde me sinto bem, se fechasse eu não sei se algum dia conseguiria ter este nível de confiança em qualquer outro lado”, nota.

Graça Pimentel é familiar de um utente acompanhado pela Encontrar+se e também lamenta a falta de apoios à associação: “é pena que em Portugal se veja um doente mental como ‘o tolinho’. Por exemplo, a depressão é uma doença mental e há gente com depressões como há gente com rinite alérgica. O projecto Encontrar+se tem sido extremamente útil, é uma pena que comece a ficar estrangulado”. 

O porta-voz da associação confirma que há ideias muito erradas em relação à doença mental. “Normalmente as pessoas pensam que problemas de saúde mental não incapacitam o doente, mas isto não é verdade, por vezes são doentes mais incapacitados do que alguém numa cadeira de rodas. Infelizmente ainda há um estigma muito grande associado à saúde mental em Portugal”, alerta José Augusto Pereira.

Muitos dos utentes da associação preferiram não falar, mas - de corda ao pescoço - fizeram questão de expressar o desalento pelo sufoco que estão a passar. “Já fizemos de tudo para conseguir este apoio, agora resta-nos o silêncio. Diz muito e fala bem alto”.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas

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