Eduardo Cunha isolado depois de reacção enérgica à denúncia da Lava Jato

Comunicação televisiva do presidente da Câmara de Deputados do Brasil foi acompanhada por um "panelaço" tímido em crítica à sua actuação. Ruptura com o Governo não foi seguida pelo partido nem pela oposição.

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O presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, convocou a imprensa para anúnciar a ruptura com o Governo AFP PHOTO/AGENCIA BRASIL/ANTONIO CRUZ

Eduardo Cunha poderia ser só mais um dos muitos políticos brasileiros a cair na rede da investigação Lava Jato, que expôs um intrincado esquema de corrupção em torno da petrolífera estatal Petrobras – não fosse dar-se o caso de ser o presidente da Câmara de Deputados, com uma agenda pessoal de oposição à Presidente Dilma Rousseff, e de ter assumido publicamente o “rompimento” institucional com o Governo, que é sustentado por uma aliança com o seu partido, o PMDB.

A sua reacção, para alguns “frenética”, para outros “desesperada”, à denúncia de que terá embolsado cinco milhões de dólares para viabilizar um negócio de navios-sonda da Petrobras, atirou o sistema político brasileira para um novo patamar de incerteza e medo do desconhecido. Para reclamar a sua inocência, Cunha atacou de uma penada a presidência, a Procuradoria-geral da República e o Supremo Tribunal Federal: na sua explicação, será o Governo da Presidente Dilma Rousseff, sua inimiga política, quem estará a manipular o Ministério Público, alegadamente com a conivência do Procurador-geral, Rodrigo Janot e o encobrimento do poder judiciário.

O presidente da Câmara foi formalmente envolvido na investigação Lava Jato pelo depoimento do consultor e lobista Júlio Camargo – divulgado na véspera de uma comunicação televisiva de Eduardo Cunha ao país, transmitida em rede nacional e horário nobre, sobre os trabalhos legislativos que dirigiu no Congresso. Segundo a testemunha – um dos acusados do processo que assinou um acordo com as autoridades – Cunha terá exercido pressão para receber o suborno exigido em véspera de eleições.

As consequências políticas da resposta de Eduardo Cunha às acusações da Lava Jato são absolutamente imprevisíveis. O panorama em Brasília já era de profunda instabilidade: governativa: a Presidente Dilma Rousseff já vivia sobre arames fruto do agravamento da situação económica e da ameaça de um processo de destituição que a oposição ainda não conseguiu fazer avançar, antes da promessa de guerra do feroz líder do legislativo. Porém, a ruptura e desobediência assumidas pelo deputado não tiveram o respaldo do seu partido PMDB e das forças da oposição. O líder dos sociais-democratas, Aécio Neves, ainda não produziu um único comentário sobre o assunto.

Ainda assim, o primeiro acto de retaliação contra o Governo aconteceu logo na sexta-feira, antes da pausa de férias do Congresso, com a constituição de quatro novas comissões parlamentares de inquérito, nomeadamente para fazer luz sobre os empréstimos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social, e para apurar a existência de irregularidades nos fundos de pensões estatais – ambas são classificadas como “incómodas” para a presidência.

Antes das declarações explosivas de Cunha contra o Governo, a sua inusitada comunicação televisiva ao país já tinha merecido uma convocatória de “panelaço”, um novo método de protesto difuso e inorgânico, que consiste em bater em panelas para expressar desacordo e insatisfação. No Rio de Janeiro, por onde é eleito, as manifestações incluíram também buzinadelas, vaias e até insultos no momento do discurso; em São Paulo, a transmissão provocou uma reacção mais tímida, merecendo concomitantes gritos de “Fora PT”.

Na comparação entre “panelaços” feita pela imprensa brasileira, a Presidente Dilma Rousseff leva vantagem sobre Eduardo Cunha: a contestação ao Governo é mais barulhenta do que as críticas à actuação de Cunha. Mas o presidente da Câmara não teve direito ao “aplausaço” que pediu para abafar as vozes contrárias: ao contrário do que esperava, a sua declaração televisiva ao país não reforçou o seu poder e protagonismo político, apenas mostrou o seu isolamento.

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