Na perspectiva das empresas, isolar o Governo da Guiné Equatorial podia ser pior

O empresário italiano Roberto Berardi, ex-sócio do filho do Presidente, foi libertado na semana passada. Esteve mais de dois anos na prisão onde foi torturado e esteve em isolamento.

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As empresas portuguesas não vêem mudanças no país Luc Gnago/Reuters

O caso do italiano Roberto Berardi que se associou ao filho do Presidente Obiang, para constituir uma empresa de construção e investir num país em forte crescimento, não é exemplo daquilo que habitualmente se passa na Guiné Equatorial. Não será regra. Mas não foi o único caso de empresários estrangeiros presos na Guiné Equatorial e serve de alerta para os riscos de investir num país onde membros da família de Obiang, incluindo Teodorín Obiang, são os principais parceiros nos investimentos e ao mesmo tempo são figuras investigadas internacionalmente por corrupção e desvio de fundos do Estado.

O próprio advogado de Berardi, que se apoiou em documentos de uma investigação nos EUA às várias empresas de Teodorín para mostrar que o seu constituinte não tinha cometido nenhuma ilegalidade para ser acusado de uso indevido de fundos, reconheceu, no ano passado, que o erro de Berardi tinha sido associar-se a quem não devia: o segundo vice-presidente, filho do Presidente, há 36 anos no poder, e apontado como seu possível sucessor.

Roberto Berardi foi libertado na semana passada. Depois de ter sido condenado a dois anos e quatro meses, numa prisão onde esteve a maior parte do tempo em isolamento e onde foi vítima de tortura, a sua libertação só foi anunciada pelas autoridades italianas quando o empresário já estava a caminho de Itália. Por razões de segurança, por medo de comprometer a operação.

Não foi um caso único. Mas foi um caso extremo entre outros de empresários espanhóis, italianos ou franceses que estiveram detidos, foram perseguidos ou sujeitos a ameaças, como relataram a jornais espanhóis e franceses já depois de regressarem à Europa.

Uma situação muito diferente é descrita pelos empresários portugueses ouvidos pelo PÚBLICO. Os poucos que aceitaram falar dizem não ter queixas e não apontam problemas, a não ser aqueles que habitualmente encontram noutros países. “Os obstáculos são muitos. Os vistos são difíceis de obter, a burocracia é complicada”, diz por email Filipe Miguel Rego, presidente do Conselho de Administração da Armando Cunha. A empresa de construção está na Guiné Equatorial desde 2008, onde desenvolve vários projectos, sendo o mais importante o da construção do Instituto Nacional Tecnológico de Hidrocarbonetos, encomendado pelo Governo de Malabo. E acrescenta: “Sentimo-nos bem acolhidos e reconhecidos pelas entidades oficiais, que valorizam o nosso trabalho.

A Guiné Equatorial "é um país sensível", diz um empresário que pede para não ser citado. “Há quase mais ministros do que funcionários”, enfatiza para descrever a desproporção dos gastos públicos com salários e benefícios dados a pessoas ligadas ao regime do Presidente Obiang. Em Malabo, é conhecida a facilidade com  que Teodorín Obiang, filho do Presidente, dispõe de um Boeing de uma companhia área a operar no país, para uma viagem rápida aos casinos de Macau. Quando está em Malabo, na capital, é ele quem aparece, muitas vezes, entre “uma grande comitiva, em romaria a fazer a distribuição de chapas de zinco onduladas para as casas” onde vive uma grande parte da população, conta o empresário. 

Porém, as oportunidades, criadas essencialmente em projectos de construção de auto-estradas, mansões para a elite, habitações e edifícios para acolher companhias petrolíferas, financiados pelos ganhos da produção petrolífera, mostra sinais de abrandamento com a descida do preço do petróleo nos mercados internacionais. Neste contexto, algumas dificuldades começam a sentir-se, confirma um gestor de outra empresa portuguesa a operar na Guiné Equatorial: “Já suspendemos projectos que estavam para começar.”

Menos petróleo, a valer menos
O maior bloco de produção petrolífera atingiu a maturidade e começou a entrar em declínio, antes de o Governo começar em projectar a licitação dos restantes blocos. Resultado: “Agora, está a entrar menos dinheiro do petróleo” e este “está a valer menos”.

A operar na Guiné Equatorial estarão uma dúzia de empresas portuguesas, segundo a lista indicativa da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). Como condição para iniciarem a actividade, têm de juntar-se a um sócio local que detenha pelo menos 35% do capital. O sócio não será necessariamente ligado ao Governo ou à família do Presidente, dizem os empresários ouvidos. Mas alguns reconhecem que "toda a gente fala disso" bem como da imposição de outras contrapartidas. 

As empresas portuguesas não vêem que alguma coisa tenha mudado desde a adesão do país há um ano. Já estavam presentes na Guiné Equatorial antes disso. O benefício, apontado por vários gestores, diz respeito não à entrada na CPLP mas na abertura de uma embaixada da Guiné Equatorial em Portugal, há dois anos, podendo-se agora pedir o visto em Lisboa, quando antes seria preciso fazê-lo presencialmente em Paris ou Madrid. Outros benefícios poderão ser encontrados nas “parcerias estratégicas” que podem surgir com outros países da CPLP, “parcerias em conjugação com outros mercados” como por exemplo Angola. Mas isso levará o seu tempo, dizem.

A realidade dos projectos, contratos e oportunidades de negócios não cruza a das questões internas de política, direitos humanos e justiça. “Isolá-los poderia ser pior”, diz o responsável de uma empresa que prefere não dar o nome. E questiona: “Em vez de os isolarmos, por que não associarmo-nos?”

“A adesão à CPLP não nos trouxe benefícios”, acrescenta outro empresário, que descreve um país onde nunca se ouve falar o português. “O português não é usado como língua de comunicação”, a não ser entre portugueses e brasileiros. Com parceiros locais, fala-se em espanhol. Com israelitas, comunica-se em inglês. Trabalhar com chineses, também muito presentes no país, implica muitas vezes a ajuda de um intérprete.

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