Obama em visita histórica a prisão para reformar a justiça dos EUA

É a primeira vez que um Presidente norte-americano em funções visita uma prisão federal. Obama apontou falhas na justiça criminal dos Estados Unidos e afirmou que o sistema “não é tão esperto como poderia ser”.

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Obama durante a visita à prisão federal de El Reno Kevin Lamarque/Reuters

O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez história, ao tornar-se no primeiro chefe de Estado norte-americano, em funções, a visitar uma prisão federal. Obama deslocou-se, esta quinta-feira, à prisão de El Reno, depois de ter criticado duramente o sistema de justiça criminal norte-americano. O Presidente está preocupado com as sentenças desproporcionadas, com a sobrelotação e com as condições das prisões norte-americanas.

O cenário da visita inédita foi a prisão federal de El Reno, com cerca de 1300 reclusos, situada no estado de Oklahoma, bem no centro dos EUA.

Segundo o jornal The New York Times, a prisão foi encerrada às visitas habituais. Obama reuniu-se com o director e com funcionários da prisão, visitou uma das alas e conversou com seis presos condenados por crimes não violentos relacionados com droga. O tempo que passou na prisão de El Reno irá integrar um documentário, que será exibido pela HBO, no Outono de 2015.

A visita de Barack Obama acontece dois dias depois de ter falado na 106ª convenção do National Association for the Advancement of Colored People (NAACP),  o mais antigo grupo dedicado à protecção dos direitos dos negros nos EUA: quase todos os 45 minutos do seu discurso foram dedicados a criticar o sistema de justiça criminal do país. E foi precisamente sobre as penas “injustas”, “demasiado longas” e “pouco efectivas” contra aqueles que estão condenados por terem cometido delitos não violentos que Obama dispensou especial atenção.

Os números ajudam a introduzir o debate norte-americano em volta do sistema prisional do país. Foi com eles, aliás, que Obama começou por abordar o tema, na terça-feira. A Casa Branca também os partilhou no seu site oficial. Actualmente, 2,2 milhões de pessoas estão presas nos Estados Unidos, ou seja, o quádruplo do que se verificava em 1980. Os números impressionam ainda mais se tivermos em conta que 25% do total de encarcerados no mundo se encontra nos Estados Unidos, um país que tem, “apenas”, 5% da população mundial.

“A nossa taxa de encarceramento é quatro vezes maior do que a China”, lamentou Barack Obama, acusando o sistema criminal norte-americano de “não ser tão esperto como poderia”.

Para Obama, estes dados explicam-se, em grande medida, pelo exagero de “sentenças desproporcionadas” com os delitos cometidos, nomeadamente, os “crimes não violentos”. O Presidente norte-americano admite que muitos dos presos “merecem estar encarcerados”, mas entende que a justiça norte-americana tem sido pouco flexível nas penas, optando, na maioria dos casos, “pela mais pesada”.

O chefe de Estado lembrou ainda que 60% dos presos do país são afro-americanos ou latinos e fala mesmo em discriminação. “Um estudo […] mostra que as pessoas de cor [nos Estados Unidos] têm mais probabilidades de ser paradas, revistadas, questionadas, acusadas e detidas”, lamentou Obama, revelando ainda que “estes grupos são mais propensos a penas mais pesadas” que um membro da maioria da população branca “que comete o mesmo crime”.

Esta realidade, para além de resultar na “sobrelotação das prisões norte-americanas”, contribui para um custo “moral e financeiro”, nas palavras do The New York Times. “80 mil milhões de dólares [cerca de 74 mil milhões de euros]. É esta a quantia que nós [Estados Unidos] gastamos, a cada ano, para manter presos na América”, partilhou Barack Obama com a plateia do NAACP.

“Temos de perceber se 20 anos, 30 anos de prisão, por crimes não violentos, é a melhor maneira de resolver os problemas”, foi umas das frases de Obama, durante a visita.

Reforma a três níveis
A redução do período das penas para delitos não violentos é, segundo o Presidente, a grande reflexão que Washington deve fazer. Essa ideia deve ser central na reforma profunda que Obama quer fazer passar no Congresso, “ainda este ano”. Para tal, anunciou, conta com o apoio de vários “políticos e senadores republicanos e democratas”.

Na terça-feira, a NAACP e os norte-americanos ficaram também a saber que as alterações pretendidas por Obama se vão basear em reformas a três grandes níveis: na “comunidade”, na “sala de audiências” e nas “celas”.

“Não podemos tolerar a sobrelotação (…), os gangues (…), as violações na prisão”, defendeu Obama, mostrando-se preocupado com as condições dos estabelecimentos prisionais dos EUA e justificando a sua visita a Oklahoma. Para o Presidente, é essencial que as prisões promovam o “regresso ao [mercado de] trabalho” e não sejam lugares onde os criminosos se tornam “ainda mais criminosos”.

Já perto do final do seu discurso, na convenção do NAACP, Obama pediu mais tolerância e falou no seu caso. “Quando olho para aqueles jovens nas esquinas e, eventualmente, nas prisões, penso (…) que poderia ser um deles. A grande diferença (…) é que eu tive uma segunda oportunidade. E eles não têm qualquer margem para errar”, lamentou.

Texto editado por Sofia Lorena

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