Política de ciência: recursos, avaliação e liberdade

Vivem-se tempos difíceis nas instituições científicas. Perderam-se recursos financeiros, perderam-se jovens cientistas, perdeu-se a confiança na avaliação e degradaram-se as condições para a produção de conhecimento com liberdade e autonomia científicas. Assistiu-se a uma alteração nas políticas de ciência, correndo-se hoje sérios riscos de desmantelamento do sistema científico construído ao longo de 40 anos de democracia.

Nessa construção foi decisivo o papel de José Mariano Gago, sobretudo enquanto Ministro da Ciência. Na base do seu pensamento e da sua ação política estiveram sempre presentes três ideias fortes que importa recordar para perceber em que sentido caminha a mudança em curso que é urgente inverter radicalmente.

Em primeiro lugar, a ideia de que construir um sistema científico é fazê-lo crescer, criar massa crítica. Não existe sistema científico sem recursos humanos, sem recursos financeiros e sem instituições fortes, qualificadas, exigentes e internacionalizadas, à semelhança do que se passa nos países democráticos mais desenvolvidos. Por isso se bateu, em todos os governos em que participou, pelo investimento público em Ciência, defendendo que os recursos públicos deviam ser investidos com o objetivo primeiro de capacitar o sistema científico, sem prévios preconceitos ou voluntarismos autoritários. As escolhas de investimento deviam partir antes de tudo da avaliação do potencial existente no país.

Em segundo lugar, a ideia de que o desenvolvimento científico não pode ser planeado na base de prioridades disciplinares ou outras. Mariano Gago considerava desejável a identificação de temas/problemas que possam ser o pretexto para estimular a quebra de fronteiras no conhecimento e a interdisciplinaridade, que desafiem o futuro. Mas recusou que tal identificação pudesse substituir o investimento geral em todas as áreas científicas, condicionado apenas pela avaliação da sua qualidade em termos absolutos, ou que pudesse pôr em causa a liberdade e a autonomia dos investigadores na definição da agenda da investigação. E recusou por duas razões: porque o sistema científico português, tendo crescido muito, ainda não atingira os níveis necessários à sua sustentabilidade; e porque o desenvolvimento científico em Portugal, como em todos os países do mundo desenvolvido, necessita de liberdade e de autonomia, necessita de todas as áreas de conhecimento, das ciências fundamentais às ciências sociais e humanas. Exigir que toda a ciência seja aplicada, útil e rentável, orientada apenas para resolver problemas das empresas, é uma armadilha que levará ao dispêndio de recursos sem nenhuma garantia de retorno científico ou económico.

A terceira ideia forte era a seguinte: a ciência floresce melhor nas sociedades mais qualificadas do que naquelas em que predomina a ignorância. Por essa razão, os investigadores e as instituições de ciência deveriam quebrar barreiras de isolamento e contribuir para a qualificação das pessoas, para a educação científica e a difusão da cultura científica, através da melhoria do ensino formal, mas também através da educação científica informal, em espaços como os centros Ciência Viva. Fazer chegar a todos o conhecimento científico é a via para fazer compreender o porquê das coisas, essencial a uma plena cidadania, mas essencial também ao alargamento da base de apoio e de recrutamento para a ciência. A comunicação e divulgação de ciência eram entendidas como responsabilidade dos cientistas, inerente ao trabalho científico e essencial para quebrar o isolamento da ciência. Quebrar o isolamento da ciência também na esfera política, quer dizer, debater publicamente, argumentar e convencer os vários poderes, acerca da importância da ciência para a construção de um país moderno e democrático.

Os resultados obtidos com a ação política de José Mariano Gago são a prova de que tinha razão. E a melhor forma de lhe prestar homenagem é defender e dar continuidade às políticas públicas que promoveu.

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