Eurogrupo bloqueia acordo com Grécia por “falta de confiança”

Alemanha tem documento de trabalho que admite Grexit temporário por cinco anos. Finlândia quer Atenas fora do euro

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Wolfgang Schaeuble AFP

A dificuldade de um acordo entre a Grécia e os outros países do euro para um terceiro resgate confirmou-se. A última proposta apresentada pelo Governo de Atenas não foi suficiente para garantir o financiamento do país nos próximos três anos, menos ainda para encontrar abertura para uma reestruturação da sua dívida.

Fontes citadas pela Reuters disseram que houve consenso entre os ministros das Finanças dos outros 18 países do euro sobre a necessidade de executivo de Alexis Tsipras dar novos passos que garantam que honrará qualquer nova dívida. As discussões bloquearam devido à “falta de confiança” na capacidade do Governo de Atenas.

A reunião acabou à meia-noite, hora de Bruxelas, e recomeça na manhã deste domingo. A essa hora era dado como muito possível que uma decisão passasse para os líderes europeus na cimeira dos chefes de Estado e de Governo marcada para este domingo. O Eurogrupo  procurou ainda chegar a uma declaração comum, tarefa difícil devido às divergências profundas.

“Tivemos uma discussão profunda sobre as propostas gregas. A questão da credibilidade e confiança também foi discutida e, claro, os assuntos financeiros. Mas não conseguimos terminar as nossas discussões e vamos continuar às 11h [10h de Lisboa]”, disse o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, limitando-se a afirmar que alcançar um acordo “é ainda muito difícil, mas os trabalhos ainda decorrem”.

A televisão pública finlandesa Yle noticiou que o ministro das Finanças de Helsínquia, Alexander Stubb, foi mandatado para negociar a saída da Grécia do euro, por exigência do partido eurocéptico Verdadeiros Finlandeses, segunda força política do país, que integra o Governo e ameaçará romper a coligação em caso de acordo com Atenas.

Com a reunião a decorrer, o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung noticiou a existência de um “documento interno” do ministério das Finanças de Berlim em que é colocada a hipótese de uma saída temporária da Grécia da zona euro, por cinco anos, caso Atenas não aprofundasse as propostas de reformas que apresentou. Mas nenhum documento com essa proposta foi distribuído, nem há indicações de que o assunto, que criou ruído à volta da reunião, tivesse sido discutido.

Bons princípios
O Eurogrupo deste sábado até foi antecedido por uma “boa” notícia, que se revelou insuficiente. Os três credores internacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) fizeram uma avaliação “positiva” e declararam – segundo informações obtidas pela AFP –  ver no plano apresentado por Tsipras “uma base de negociação”.

Outra fonte europeia disse que os credores ficaram “positivamente surpreendidos” com o documento enviado por Atenas, considerando que contém medidas muito similares às que foram apresentadas pela Comissão [Europeia] no final de Junho.

Mas à entrada da reunião as declarações já eram de reserva de outros membros do Eurogrupo na capacidade do Governo grego para adoptar as reformas com que se comprometeu – e que prevêem mais medidas de austeridade do que as anteriormente aceites por Atenas. “Vamos ter negociações extraordinariamente difíceis", disse o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, acrescentando que "uma situação de esperança [na Grécia] foi destruída nos últimos meses de uma forma incrível.”

“Penso que vai ser uma reunião bastante difícil”, admitiu, também antes do início dos trabalhos Jeroen Dijsselbloem. “Ainda há críticas ao conteúdo das propostas” e “há um grande problema de confiança”, assumiu. “Como podemos esperar que este Governo aplique realmente o que está a prometer?”

O secretário de Estado das Finanças holandês, Eric Wiebes, disse que as instituições também emitiram críticas ao plano por ser “mais fraco do que deveria ser nalgumas áreas”. “[As instituições] sugeriram que só se começassem as negociações quando essas condições tiverem sido preenchidas", disse.  O ministro das Finanças irlandês, Micheal Noonan, adiantou logo então que “provavelmente” seriam precisas “mais medidas”.

A maior parte dos ministros insistiu na importância de garantir que as reformas apresentadas pela Grécia são efectivamente adoptadas. Vários manifestaram dúvidas de que o Governo de Tsipras execute à risca um programa de austeridade muito semelhante ao que os eleitores gregos, seguindo a recomendação do seu executivo, rejeitaram por larga maioria no referendo de domingo passado.

O comissário para os Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, também defendeu que a aplicação das reformas apresentadas pela Grécia é “a chave de tudo para desbloquear um programa e para tratar da questão da dívida”.

As horas seguintes confirmaram as previsões dos mais cépticos. Numa primeira parte da reunião, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional apresentaram as suas análises sobre o plano de reformas grego. Só depois começou o debate entre ministros. “Esperem uma reunião longa”, disse, nessa altura, uma fonte europeia aos jornalistas no edifício onde decorria o Eurogrupo.

Nas suas intervenções, os responsáveis do BCE e da Comissão terão alertado os ministros para os “riscos sistémicos” de uma rejeição do pedido de assistência financeiro da Grécia ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), com uma falência generalizada da banca grega.

Segundo o jornal alemão Süddeutsche Zeitung, as instituições alertaram que o colapso do sistema bancário grego teria efeitos negativos para a zona euro como um todo, e afectaria sobretudo a Bulgária, a Roménia (que não fazem parte da zona euro) e Chipre.

Com os ministros ainda reunidos, antes ainda de uma pausa para jantar que continuava ao fim da noite, foi noticiada a existência do documento alemão com o cenário de Grexit. O texto  equacionaria duas possibilidades para a Grécia depois deste fim-de-semana, uma deles a suspensão temporária da pertença ao euro.

Num primeiro cenário traçado pelo documento, o Governo de Atenas melhoraria a sua última proposta, nomeadamente transferindo para um fundo activos do Estado no valor de 50 mil milhões de euros, que seriam vendidos para abater à dívida pública.  A outra opção passaria pela saída da zona euro por cinco anos, com uma reestruturação de dívida e “apoio para o crescimento, humanitário e técnico.”

Para além da decisão de abrir ou não negociações com a Grécia para um novo resgate, os ministros das Finanças tinham também na agenda a discussão do montante do empréstimo que seria concedido a Atenas e uma possível reestruturação da dívida.  

A Grécia avançou com a hipótese de um terceiro resgate de 53.500 milhões de euros, mas fonte europeia disseram que essa proposta seria “uma base de negociação para um terceiro programa de 74 mil milhões de euros em três anos: 16 mil milhões do FMI e 58 milhões do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE)”.

Como no curto prazo serão necessários oito mil milhões para o funcionamento corrente do país até ao terceiro resgate, a soma total totalizaria, segundo a Reuters,  82 mil milhões de euros – 25 mil milhões dos quais para capitalizar a banca. Num cenário de acordo seria ainda necessário encontrar forma de garantir que a Grécia consegue pagar 3500 milhões de euros que tem de reembolsar ao BCE a 20 de Julho.

Em Atenas, numa entrevista à Mega TV, o ministro da Economia, Giorgos Stathakis, disse que, em caso de acordo com os credores, os bancos podem reabrir já na próxima semana, mas as que as restrições aos levantamentos e à saída de divisas continuariam. O controlo de capitais vai prolongar-se durante pelo menos dois meses, adiantou.

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