Director do Museu do Chiado demite-se em ruptura com a tutela

A uma semana da inauguração das novas instalações do MNAC-MC, a tutela quer revogar o depósito da Colecção SEC no museu.

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David Santos estava a meio da comissão de serviços de três anos

O historiador de arte David Santos, à frente do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado (MNAC-MC) há apenas um ano e meio, apresentou a sua demissão na manhã desta quarta-feira. Sai em ruptura total com a tutela a uma semana da inauguração das novas instalações do museu, uma ampliação dentro do Convento de São Francisco que duplicará o espaço expositivo e é aguardada desde meados da década de 1990.

Ao PÚBLICO, David Santos limitou-se a confirmar o seu pedido de demissão e a aceitação imediata deste pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). Acusando apenas “incompatibilidades insuperáveis” com a tutela, o já ex-director recusou prestar quaisquer outras declarações.

A DGPC confirmou ao final desta tarde, em comunicado, ter aceite a demissão e anunciou que a direcção do museu será assegurada pelo sub-director-geral, Samuel Rego, até ser nomeado um novo director. Ao PÚBLICO e já ao início desta noite, Maria Resende, assessora de imprensa da DGPC, fez saber ainda que se tratou de uma decisão do próprio e que a direcção “estranha a atitude” de David Santos. Até ao momento, não foi possível obter uma reacção da Secretaria de Estado da Cultura (SEC).

Os motivos da saída num momento chave para a história do museu surgem esclarecidos na carta de demissão a que o PÚBLICO conseguiu acesso: pressões em torno do destino da vasta e importante colecção de arte contemporânea actualmente conhecida como Colecção SEC.

Composta por cerca de mil obras adquiridas pelo Estado a partir de 1975, a Colecção SEC integra trabalhos de nomes tão fundamentais como Júlio Pomar, Lourdes Castro, René Bértholo, Helena Almeida e Julião Sarmento, entre muitos outros artistas portugueses. Estava dispersas por várias instituições e organismos públicos – incluindo museus, gabinetes ministeriais e embaixadas –, até a 16 de Setembro de 2013 ser entregue ao MNAC-MC pelo actual secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier.

Destinava-se a suprir as mais graves lacunas – nas décadas de 1960 a 1980 – de um dos mais importantes museus portugueses, numa medida que se tornou efectiva a 5 de Fevereiro de 2014, com a publicação do despacho 1849-A/2014 em Diário da República.

Ficou pouco depois decidido que as obras de ampliação do museu abririam ao público com uma grande exposição em torno desse acervo. E, a uma semana da inauguração, é o que está ainda previsto. Mas o MNAC-MC poderá já não ser o destino último da colecção: a SEC decidiu entretanto revogar a sua própria decisão, podendo vir a dar outro destino à colecção.

Na carta de demissão que remeteu à DGPC, David Santos deixa por escrito como na última sexta-feira, 3 de Julho, foi “confrontado” pelo director-geral do Património Cultural, Nuno Vassallo e Silva, e pelo sub-director deste, Samuel Rego. Destes responsáveis terá recebido ordens directas para omitir de todos os materiais de divulgação qualquer alusão à afectação da colecção ao MNAC-MC.

Culminava assim um braço-de-ferro que terá começado em Abril último, data das primeiras indicações informais para alteração de materiais. A começar pelo título da mostra, que passou de Narrativa de uma colecção – o legado da Secretaria de Estado da Cultura ao MNAC-MC para Narrativa de uma colecção – Arte Portuguesa na Colecção SEC (1960-1990), título com que é apresentada no site da DGPC.

Essa alteração escamoteava a ideia de entrega da colecção ao museu. Mas a tutela pediu mais. E, após sucessivas recusas de David Santos, terá surgido na última sexta-feira a “ameaça” da retirada da colecção das mãos do museu com a revogação do despacho de 5 de Fevereiro de 2014. Uma “ameaça” efectivada depois do fim-de-semana, assumindo a forma de novo despacho que aguardará publicação em Diário da República mas que será efectivo desde 6 de Julho.

“Apesar de discordar da instrução superior, assumi o compromisso de alterar o subtítulo da nossa exposição […] na condição de que o texto de apresentação da exposição pudesse esclarecer tratar-se de uma mostra baseada numa colecção integrada desde Fevereiro de 2014 no MNAC-MC”, escreve David Santos na sua carta. Para o historiador de arte, uma vez alterado o título, eram esses textos “de carácter autoral” que “garantiam o sentido programático da exposição inaugural da histórica ampliação do MNAC”.

“A obliteração de parte fundamental dessa justificação iria destituir de sentido a curadoria e dignidade institucional dessa programação”, esclarece ainda este responsável. Para concluir: “Entendi que, para me manter fiel aos meus princípios, não restava outra alternativa que não a apresentação da minha demissão.”

Aos 43 anos, David Santos estava a meio da comissão de serviços de três anos com a qual transitou da direcção do Museu do Neo-Realismo, de Vila Franca de Xira, que assegurava desde 2007. Na altura da sua tomada de posse, em entrevista, o PÚBLICO questionou-o sobre o momento em que assumia o cargo, após a demissão de muitos nomes de topo na Cultura, o seu antecessor no cargo, o também historiador de arte Paulo Henriques, e a directora-geral do Património Cultural, Isabel Cordeiro. Com que expectativas assumia aquele cargo? “Com a convicção de que é sempre possível contornar as dificuldades”, respondeu então. “Plenamente consciente das dificuldades que o país e o sector atravessam”, David Santos dizia acreditar que “há sempre possibilidade de encontrar vias alternativas.”

Referia-se a dificuldades financeiras e logísticas.      

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