O novo realismo

Na busca de uma opinião universal como consenso, o posto mais avançado é ocupado pelos novos realistas. Trata-se de uma categoria de gente munida de argumentos que conservam, como armas, as receitas da propaganda maoísta e leninista importada de outrora, postas agora ao serviço de uma ideologia que não ousa nomear-se como tal: um novo realismo tão avesso à política das ideias que se entrega de maneira servil à política das coisas. Não há pior ideologia. Estes realistas por princípio, injuriosos face aos sonhos do passado de muitos deles, chamam utopia a tudo o que não se conforma o seu realismo dogmático e, contra ela, fazem constantes apelos à ordem: o novo realismo convoca prontamente o argumento moral. Utopia é, para eles, tudo o que lhes parece oferecer resistência ao presente. Qualquer forma de resistência é uma abominação, um idealismo criminoso, já que pensam conhecer melhor a realidade do que todos os outros. Não condenam apenas a resistência que se traduz em actos, mas também a resistência que se exerce pelo pensamento. “Não te obrigarei a pensar”, porque o que conta é a realidade: eis a injunção implícita em todo o novo realismo, que promete verdade e realidade a baixo preço. O novo realismo é um ressentimento anti-filosófico. E o novo realista é um conservador cínico e trocista: “Não te vergas à realidade, não aceitas a políticas das coisas-tal-como-elas-são? Vais ver o inferno a que te condenas e os castigos que te esperam”. O apelo à realidade como apelo à ordem significa a crença inabalável de que esta se ergue como uma potência a que, por obrigação moral e pragmatismo, temos de nos subordinar. Fazer o contrário é suicidarmo-nos, é querer interromper com o peso do corpo o comboio da História. O comboio da História, mas isso não é uma antiga metáfora da ideologia do progresso? Pois é, mas uma metáfora bem reciclada serve para muitas ocasiões. E o realismo sentencioso gosta do que se desloca por vias coercivas e lineares. Linhas rectas, a mais curta distância entre dois pontos: a política deve ser uma espécie de geometria muito básica e uma aritmética ao serviço do governo da casa, isto é, de uma oikonomia. O novo realismo dispensa um pensamento político elaborado e explícito porque a política das coisas é uma política imanente: está lá, por força de leis físicas a que temos de nos conformar. Ou melhor: a que nos devemos conformar por obrigação, porque não há nada melhor à vista e querer contrariar as leis da ordem político-económica é cair na utopia, tentação de néscios, criminosos e potencialmente totalitários. Para os novos realistas, a realidade tem as suas necessidades objectivas, impõe-nos que sejamos todos eficazes, positivos, práticos, comunicacionais, razoáveis. O novo realismo tem um discurso-modelo, tipificado, fascinado pelos métodos da ambição, mas abominando mais do que tudo todas as formas de enfrentamento, insurreição, rebelião. Para os novos realistas, tudo isso faz parte da mesma família de perigosos radicais e extremistas em torno dos quais é preciso construir um muro sanitário. A construção de uma opinião universal como consenso é precisamente o resultado dessas medidas sanitárias. Em tempos, havia uma forma de submissão à realidade que se chamava Realpolitik. O novo realismo é diferente: não pressupõe a atitude estratégica e as manhas da Realpolitik. É uma convicção ideológica, determinada por uma adesão franca e sem subterfúgios. Não é uma renúncia manhosa a toda a forma de resistência ao presente, é uma exaltação consciente das leis a que ele nos subordina.

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