O que me fica de Maria Barroso

A liberdade era o seu lema e viveu a lutar por ela ao lado do homem que mais lutou por ela.

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A vida de Maria de Jesus Barroso não se resume numa frase, nem sequer em mil palavras. Mas há uma ideia que hoje certamente vem ao espírito de muita gente e que, de alguma maneira, sintetiza o seu extraordinário percurso.

Como é possível viver ao lado de um colosso e manter a individualidade em todas as suas dimensões - política, cívica, familiar, pessoal, pedagógica? Maria Barroso conseguiu este facto extraordinário, mesmo pertencendo a uma geração em que as mulheres deviam ficar na sombra. A sua vida prova o contrário. Mas, o que é ainda mais surpreendente é que essa autonomia nunca a impediu de garantir ao seu marido de quase 70 anos todas as condições necessárias para se poder dedicar inteiramente à vida política. Muitas vezes, ela ficou na retaguarda, resolvendo todos os problema s e arcando com todas as cargas. Durante a ditadura e depois da ditadura. O que é talvez mais impressionante é que criou uma família, protegendo-a das adversidades mas também das muitas espécies de vedetismo que hoje infelizmente predominam. Durante a ditadura foi bem mais difícil, entre as prisões e os exílios de Mário Soares e as inibições a que o regime a sujeitou e às quais conseguiu sempre dar a volta para continuar em frente.

Habituei-me a conhecê-la e a admirá-la porque a minha profissão me levou a acompanhar a par e passo a política portuguesa e a sua figura central. Viajei com ela em algumas visitas de Estado, com a proximidade que propiciam. Em Tóquio, onde Mário Soares se esforçava, algumas vezes em vão, por explicar aos japoneses que as senhoras passam sempre primeiro. Ou no Brasil, onde a exibição de riqueza e de luxo numa qualquer recepção palaciana era devolvida ao seu lugar quando Maria Barroso entrava na sala. A sua elegância e distinção impunham-se por toda a parte. Até ao fim, esteve atenta a tudo. Nunca desistiu de participar. A última vez que estive com ela foi há quinze dias numa conferência no IEP da Universidade Católica sobre o futuro de Portugal na Europa. Tinha sempre palavras agradáveis para toda a gente que estimava. Nunca se esquecia de mencionar aquilo que eu escrevia com uma enorme gentileza.

Dirigiu um colégio onde muitos pais e avós queriam (e querem) encontrar um lugar para os seus filhos e para os seus netos. Não apenas porque os resultados escolares figuram sempre nos primeiros lugares das listas nacionais. Mas porque havia (e continua a haver) um ambiente de responsabilidade cívica, de excelência mas sem competição, de justiça assente em princípios simples mas fundamentais, e um enorme sentimento de pertença. Uma coisa vale tanto como a outra, ou vale mesmo mais. A Isabel conseguiu manter este espírito que marcou gerações. Muita gente lá deu aulas quando estava proibida de dá-las noutro sítio.

A liberdade era o seu lema e viveu a lutar por ela ao lado do homem que mais lutou por ela. Essa liberdade incluiu a sua capacidade de discordar dele. Mas também era exigente quando se tratava da responsabilidade de todos e de cada um de nós. O seu espírito era o da tolerância. Foi útil até ao fim, oferecendo a sua disponibilidade para coisas simples mas essenciais. Hoje, o meu pensamento está também com Mário Soares. A sua força enfrenta agora a maior prova de todas.

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