Entra o "aristocrata" Tsakalotos, sai o "arrogante" Varoufakis. A ideologia mantém-se

Fala como um aristocrata, para divertimento de alguns dos seus camaradas do Syriza. Porém, advertem os que o conhecem, se o estilo é diferente do de Varoufakis, a mensagem deve ser igual.

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Euclides Tsakalotos também não usa gravata e anda sempre com uma mochila vermelha Kostas Tsironis/Reuters

Comece-se por duas frases reveladoras: "Como Governo progressista, sempre prometemos pagar pensões e salários antes de pagar aos credores", "Não estamos a pedir um tratamento especial, estamos a pedir um tratamento igual numa Europa de iguais".

São expressões de um pensamento político, o do Governo grego, e são reveladoras porque não foram ditas pelo ministro das Finanças que sai, Yanis Varoufakis, acusado de se expressar de forma tão assertiva que chega a ser arrogante, mas pelo homem que foi escohido para o suceder, Euclides Tsakalotos, de quem já foi dito ser a "face simpática" da equipa de Atenas.

Estilos diferentes, frases iguais. É, para já, o que alguns analistas vêem na mudança de ministros. Outros arriscam dizer que o braço-de-ferro Atenas/credores foi tão pessoalizado que a simples saída de Varoufakis vai ser uma vantagem, para os gregos.

"O facto de ele parecer um aristocrata a falar ajuda. Ele fala a língua deles melhor do que eles — às vezes é bastante divertido de observar isso", disse ao jornal britânico The Guardian uma bem-disposta fonte do Syriza que não quis identificar-se e referindo-se à elite de Bruxelas, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional.

O mesmo jornal cita um conhecido jornalista grego, Nick Malkoutzis, que defende que a Grécia tem que ceder e que escreveu, mal se soube que Varoufakis se afastava, para facilitar o processo de negociações: "Tanto faz que seja um ou outro a levar o sapo; não o vão engolir de livre vontade".

Para quem seguiu com atenção o processo Grécia/credores, Euclides Tsakalotos, que tem 55 anos, não é um desconhecido. Num primeiro momento, foi vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e teve a pasta das relações económicas internacionais. Num segundo, em Abril, foi nomeado chefe da equipa de negociadores de Atenas. Finalmente, ele que é o cérebro do programa económico do Syriza, partido de que faz parte — ao contrário de Varoufakis, que era um outsider na cena política —, chega ao que é o ministério mais importante do momento.

Para uma ala do Syriza, a movimentação é positiva e acentua a unidade em torno do líder, o primeiro-ministro. Tsakalotos é um próximo de Alexis Tsipras. Os dois homens são camaradas de partido e partilham a mesma visão. Enquanto foi chefe negociador, o novo ministro nunca destoou do primeiro-ministro (e na verdade de Varoufakis, que só dava um ênfase diferente, controverso se se quiser, às frases): rejeitar o aumento do IVA proposto pelos credores, não privatizar as empresas estatais de sectores que o Governo considera estratégicas, manter as pensões e rejeitar a reforma nas leis do trabalho que são exigidas.

Ou seja, se Yanis Varoufakis foi empurrado para a sombra — "Vou usar o desdém dos credores com orgulho", escreveu no seu blogue —, isso não significa que o Governo de Atenas mudou radicalmente de opção. "Pouco depois do anúncio dos resultados do referendo, fizeram-me saber de uma certa preferência de alguns participantes do Eurogrupo, e vários ‘parceiros’, pela minha… ‘ausência’ das suas reuniões; uma ideia que o primeiro-ministro [Alexis Tsipras] julgou ser potencialmente benéfica para poder chegar a um acordo. Por esta razão, vou sair hoje do Ministério das Finanças", anunciou o ex-ministro, explicando que também o fez por considerar seu dever "ajudar Alexis Tsipras".

Tal como Varoufakis, o novo ministro faz parte de uma geração de economistas gregos que se formaram no estrangeiro, ou que fizeram parte da sua carreira fora do país, optando pelo mundo académico e não pelo empresarial ou político. Tsakalotos até nasceu fora da Grécia, em Roterdão, onde o pai, engenheiro civil, trabalhou. A família instalou-se a seguir em Londres e o rapaz foi mandado para a St. Paul, uma escola de elite que lhe deu acesso a Oxford, onde estudou Política, Filosofia e Economia.

A família Tsakalotos é conhecida na Grécia. Um dos generais que lideraram uma facção da guerra civil — que opôs comunistas e direita —, Thrasyvoulos Tsakalotos, era primo do avô de Euclides. "Ele liderou o outro lado, o lado errado", disse Euclides, que aos jornais gregos contou que o avô receava que ele, que passou por escolas de elite e tem o tal sotaque aristocrático, se tornasse um liberal. Como Varoufakis, Tsakalotos anda sempre com uma mochila às costas; também não usa gravata.

Quando terminou os estudos, entrou directamente no ensino, na Universidade de Kent. No início dos anos de 1990, já casado com uma escocesa, decidiu regressar a casa e fixar-se em Atenas, onde deu aulas na universidade. Filiou-se no Synaspismos, a formação política dominante no Syriza, onde foi eleito para o comité (o corpo directivo); em 2012 foi eleito deputado e nomeado ministro-sombra.

Escreveu seis livros e, no mais recente Crucible of Resistante: Greece, the Eurozone and the World Economic Crisis, escrito em colaboração com Christos Laskos, defende que a crise na zona euro acentuou e acelerou a desigualdade na União Europeia. Apresenta caminhos para solucionar a crise, o primeiro deles o fim da narrativa dominante sobre a preguiça grega (a irresponsabilidade fiscal e o clientelismo) como origem única do estado a que a Grécia chegou. Explica que nos anos de 1970 o país adoptou o caminho do modernismo neoliberal comum a tantos países na Europa, mas que foi esta receita, que não teve em conta especificidades dos países, que gerou as desigualdades políticas, economicas e sociais da União Europeia.

O novo ministro considera que o problema da Grécia, como de outros países, é também consequência de uma "crise de democracia" na Europa. Não preconiza a saída do país da zona euro, como elementos mais radicais do Syriza, mas defende uma renovação política no espaço europeu. Recentemente, foi convidado para um congresso do irlandês Sinn Fein. E eis o que disse: "O Syriza e o Sinn Fein, bem como o Podemos, fazem parte de um grande realinhamento da política europeia".

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