“Primeiro está a miúda e depois estamos nós”

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“Sempre se deram muito mal” Nelson Garrido

O divórcio custou-lhe muito. “É sempre complicado”, diz José. Com filhos, pior ainda. “É uma dor enorme.” A menina tinha cinco anos. Ficou a morar com a mãe. Fizeram um acordo típico – fins-de-semana alternados, férias repartidas, natais repartidos, passagens de ano repartidas. Aos 13 anos, deixou de querer ver o pai.

A mãe não a forçou a continuar a passar fins-de-semana com o pai, como fora acordado. “Chegou a um ponto que já não via a minha filha”, diz José. Passou um mês, dois meses, três, quatro, cinco, seis. Deixou de pagar pensão. A ex-mulher aguentou um mês, dois meses, três, quatro, cinco, seis.

A contenda entrou no Tribunal de Família e Menores da comarca Lisboa Oeste, em Sintra. O juiz Joaquim Manuel Silva ouviu-os e ouviu a filha. Perguntou-lhes se aceitariam a ajuda de uma técnica de assessoria ao tribunal. Ao fim de quatro sessões, o pai mudara de atitude, a filha mudara de atitude, a mãe mudara de atitude.

“Sempre se deram muito mal”, contou a rapariga. “Discutem por tudo e por nada.” Estava farta. “O meu pai diz mal da minha mãe.” Durante muito tempo, ela tentou “viver com as discussões deles, a forma como se tratam”, com o que disso passavam para ela. “Nunca consegui ficar em paz.”

 “Acho que foi um bocado culpa de ambos”, diz José. Estava deprimido, até pela periclitante situação profissional, que já lhe valera uma redução de salário. E preocupava-se muito. A mãe trabalha por turnos num hotel. Achou que já podia deixar a filha sozinha umas horas. E José achou que era “liberdade a mais”. Perguntava à filha: “Esteve alguém contigo? A que horas a mãe chegou?”

 “Eles foram muito profissionais”, avalia agora o técnico de artes gráficas. “Às vezes, o pai não se sabe explicar, a mãe não se sabe explicar.” Veio alguém com conhecimento técnico, com experiência na resolução de conflitos, e ajudou-os a expressarem-se, a porem-se nos lugares uns dos outros, a compreenderem-se.

“Ela disse-me para ter mais calma, para falar com a minha filha de outra maneira, para me lembrar que ela já vai fazer 16 anos”, exemplifica. E disse à sua ex-mulher, por exemplo, que ele tem direito de participar na vida da filha. “Se a minha filha tem seis negativas, eu tenho de saber!”

A filha não ficou de fora. A técnica explicou-lhe que os pais não são como os filhos idealizam, que não são perfeitos, que cometem erros – há pais que cometem erros tão graves que são condenados a passar meses ou anos em prisões e nem por isso os filhos deixem de gostar deles. “Agora, ela compreende”, diz José. Entendeu que a atitude do pai vinha da sua vida, da sua preocupação.

A rapariga já gosta de estar com o pai outra vez. Pode dizer-lhe que tem uma festa na sexta-feira e que só vai no sábado ter com ele e ele já não exige que ela vá na sexta-feira à noite e fique até domingo à noite, como consta do acordo. Ele já não fala na ex-mulher. Está mais flexível. E a mãe está “mais exigente” com a filha. Pai e mãe têm uma certeza: “Primeiro está a miúda e depois estamos nós.”

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