Pintar sem regras, sem preconceitos e sem prémios no final

1.º Encontro Nacional de Pintores de Cavalete juntou 44 artistas num jardim em Espinho que, por um dia, se transformou numa instalação visual.

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Os pintores vieram de vários lados: de Unhais da Serra, de Coimbra, de Espinho, de Gaia e de Estarreja nFactos/Fernando Veludo
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António Oliveira Santos foi dos primeiros inscritos a chegar ao 1.º Encontro Nacional de Pintores de Cavalete ao jardim do Parque João de Deus, em Espinho. “Isto dá-me saúde, sabe. Gosto muito, mas não percebo nada disto”.

É sábado de manhã, está sol, corre uma brisa, está a dois passos de casa. Escolhe o local, instala o cavalete, pousa a tela e decide pintar pela primeira vez a biblioteca municipal. “Gosto muito de pintar a óleo, mas esta semana experimentei o acrílico e correu bem”, conta. Oliveira Santos, 80 anos, “100 por cento autodidacta” assumido, dedica-se à pintura desde que se reformou. Na escola primária, o professor dizia-lhe que devia seguir Belas Artes. A vida não lhe permitiu cumprir a sugestão, começou a trabalhar na produção de papel 12 horas por dia. A pintura é agora um hobby que lhe ocupa o tempo e a cabeça.

“Não tenho formação nenhuma, vou aprendendo a ver os outros e esta é uma boa iniciativa especialmente para a rapaziada nova”, refere. O edifício rés-do-chão da biblioteca surge depressa na sua tela, a relva e as árvores também. Neste sábado, no centro de Espinho, 44 pintores amadores e profissionais responderam ao desafio lançado pela Cooperativa Nascente que quis estrear um novo formato e que sente que há possibilidade de repetir a iniciativa no próximo ano e até dar-lhe um carácter internacional. Os pintores vieram de vários lados, de Unhais da Serra, de Coimbra, de Espinho, de Gaia, de Estarreja.

João Fernandes pinta o retrato de Salvador Dalí, personagem que lhe interessa de sobremaneira. O olhar intenso do pintor espanhol sobressai num fundo em tons vermelhos e azuis. João tem 19 anos e estuda História de Arte na Faculdade de Letras do Porto. “É a primeira vez que desenho ao vivo”, confessa. Veio de Vila Nova de Gaia com alguns retratos já pintados debaixo do braço porque o encontro permite que os participantes comercializem as suas obras. João está entusiasmado. À sua volta há mais pintores espalhados pela relva do jardim. “É uma boa oportunidade de mostrar os nossos trabalhos e mostrar a arte portuguesa que, ultimamente, não tem tido lugar de destaque”, comenta. “É gratificante ver a reacção das pessoas, falam das obras de que gostam mais, algumas tiram fotos, conversam connosco, é um ambiente mais descontraído”.

Bonina Brandão chega de Arouca com mais colegas que fazem parte da Semente de Futuro, cooperativa de solidariedade social, e que estão habituadas a ver na arte um processo social e terapêutico. Bonina trazia as cores do mar na cabeça para pintar o seu quadro, ou não fosse Espinho terra de mar, mas o verde do jardim e as cantorias dos pássaros alteraram-lhe os planos. Espera pelo workshop de desenho para se inspirar e voltar a pegar nos pincéis. “Gosto de ver, gosto de pintar, de olhar para outros pintores. Pintar é um gosto e faz parte do desenvolvimento pessoal”, diz.  

O workshop começa no jardim onde estão velhinhas carteiras das escolas primárias do antigamente. Os participantes acham piada à decoração e sentam-se. O professor Joaquim Machado, que dirigiu a Escola de Belas Artes do Porto, chega de Guimarães para dizer o que lhe vai na alma e dar dicas importantes aos pintores de cavalete e demais curiosos. “Estou muito zangado com a arte. Hoje em dia, nem se sabe muito bem o que é”, atira no início de uma espécie de aula com um modelo vivo e “alunos” sentados em bancos de escola de outros tempos. O professor garante que tem um carinho especial pelos artistas amadores porque têm paixão e abrem o peito a uma intensa forma de expressão. As dicas são escutadas atentamente. O professor avisa que o entendimento da forma é uma das maiores dificuldades de quem pinta, de quem desenha. “A figura humana é o verdadeiro dicionário da forma”, garante, alertando que captar a atitude e o movimento da figura é uma das maiores preocupações dos artistas.

Ana Maria, pintora de Espinho, teve a ideia e dedicou-se à organização do encontro aberto a artistas profissionais ou não, que usem qualquer técnica ou estilo. Não é um concurso, não tem júri nem prémios no final. Não há regras impostas, apenas o uso do cavalete. “É um encontro de pessoas que pintam, que gostam de pintar sem preconceitos. Não há regras, a não ser o cavalete que nos remete para a visão romântica da pintura. A ideia é que os participantes conversem, troquem ideias, estabeleçam laços num jardim ocupado sem ser apenas com relva”, refere.  

António Santos, da Cooperativa Nascente, confirma que neste encontro nada é imposto. Os pintores chegam e escolhem o sítio para colocar o cavalete e o tema que vão pintar ao ar livre. “Deixamos as pessoas à vontade”, afirma o responsável que acredita que esta iniciativa tem pernas para andar.

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