Eles querem participar nesta “lufada de ar fresco” e revitalizar a democracia

Quem são os cidadãos que vão eleger os candidatos a deputados do Livre/Tempo de Avançar? Quatro retratos.

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Foto colectiva dos candidatos do Livre/Tempo de Avançar Daniel Rocha

As primárias do Livre/Tempo de Avançar são neste fim-de-semana. Pela primeira vez, os candidatos de um partido à Assembleia da República são escolhidos, não só por militantes, mas por quem quiser participar. Inscreveram-se neste processo 8 mil pessoas, das quais 2500 são cidadãos sem ligação ao partido. Quase metade são de Lisboa (45,16%), o círculo que elege mais deputados (47). Segue-se o Porto que, apesar de eleger 39 deputados, somou apenas 13,22% de inscrições. A média de idades é 42 anos. Mas os números não contam tudo. Quem são estes cidadãos?

João Ricardo Moreira
Engenheiro mecânico
Quando o desafiaram a inscrever-se nas primárias do Livre/Tempo de Avançar, João Ricardo Moreira, 42 anos, nem hesitou. O engenheiro, que vive em Lisboa, diz que foi precisamente a oportunidade de participar na escolha dos candidatos a deputados ao Parlamento, sem ser militante de um partido, que o entusiasmou. “Agrada-me a ideia de participar de uma forma diferente, moderna e mais próxima, sem ter de me comprometer com determinado partido ou movimento.” Apesar de considerar o processo uma “lufada de ar fresco nos antiquados procedimentos partidários”, frisa que é “preciso mais”. Defende que os partidos devem ouvir especialistas de várias áreas, “sem pré-condicionalismos ideológicos e com um horizonte temporal mais alargado”, para definir “propostas consensuais de longo prazo”. Interessa-se por política, seria, aliás, um “luxo” não o fazer: “As leis que nos regem, as opções estratégicas para o futuro do país, as decisões sobre investimento público, impostos, educação, saúde, protecção social, tudo é política.” Ainda assim, nunca se sentiu suficientemente seduzido para saltar do lugar de cidadão interessado para o de militante. Apesar de se ter inscrito para estas primárias, garante que ainda não decidiu em que partido vai votar nas eleições legislativas.

Lúcia Serras Lopes
Economista
Quando se refere aos motivos que a levaram a inscrever-se nas primárias do Livre/Tempo de Avançar, Lúcia Serras Lopes, 36 anos, de Lisboa, usa várias vezes a palavra “obrigação”. “Por princípio, acho que é uma obrigação minha participar em qualquer acto eleitoral. Nestas primárias, a ideia é a mesma. Se nos é dada a hipótese de participar na escolha de eventuais representantes, a minha obrigação é contribuir para escolher o melhor representante dos meus princípios. Acho que faz sentido as pessoas participarem”, diz a economista que também não tem qualquer vínculo ao Livre/Tempo de Avançar. Considera o processo das primárias “uma experiência interessante”, uma forma de abrir os partidos à população. “De abrir os partidos e de responsabilizar mais os cidadãos”, acrescenta. Nunca militou em qualquer partido, nem pensa fazê-lo: “Interesso-me por política como cidadã. Gosto de participar na escolha. Agora, para militante, creio que não tenho perfil. Nem para ser candidata. Pelas minhas características, não sei ser militante ou mesmo candidata. Sou mais reservada, não sou muito aberta à exposição”, justifica.

José Filipe Murteira
Professor de História
Já foi militante do PCP, deputado na Assembleia Municipal de Beja e presidente da Assembleia de Freguesia de Santa Vitória, como independente eleito pela CDU. Neste momento, José Filipe Murteira, 57 anos, não milita em qualquer partido e decidiu inscrever-se como eleitor nas primárias. Identifica-se com as bases programáticas do Livre/Tempo de Avançar, embora garanta que ainda não decidiu em quem vai votar nas legislativas. Já nas presidenciais, apoia Sampaio da Nóvoa. Fazer com que a “nossa democracia não estagne”, valorizar a “participação cívica” e revitalizar a democracia são algumas expressões que usa para explicar o que o motivou a inscrever-se nestas primárias. “É uma experiência inovadora.” Fala de democracia aos alunos, desafia-os a participarem, de forma activa, a darem um “contributo, a cara”. Não pondera, pelo menos para já, aderir ao Livre/Tempo de Avançar: “A curto, médio prazo não penso militar em qualquer partido”, garante. Isso não significa, porém, que abandone a actividade cívica ou as suas convicções: “Tinha 16 anos quando foi o 25 de Abril. Continuo ligado aos ideais de Abril. O meu grande desgosto foi não ter votado nas primeiras eleições [em 1975, para a Assembleia Constituinte] em Portugal. Sempre votei.”

Rita Cavaglia
Estudante de Psicologia
Na família de Rita Cavaglia, estudante de 21 anos de Psicologia da Universidade de Lisboa, sempre se falou de política. A mãe e a tia estão, aliás, ligadas ao Livre/Tempo de Avançar – uma é candidata, a outra porta-voz. Foram elas que lhe deram a conhecer a candidatura cidadã. Apesar disso, a estudante, neste momento em Paris a fazer Erasmus, garante que, se tivessem sido outras pessoas, o seu interesse seria o mesmo. Inscreveu-se para as primárias por se identificar com o partido e porque é “importante como cidadã” envolver-se, mesmo não sendo militante: “Permite ter um papel minimamente activo na vida política do país. E trazer as pessoas de fora dos partidos para dentro da política. Temos a ideia de os políticos serem um grupo à parte e o Livre contraria isso.” Diz que este processo das primárias é “importantíssimo, sobretudo tendo em conta o fosso gigante entre cidadãos e política”. Um afastamento, ressalva, que não é exclusivo dos jovens, mas transversal a várias gerações. “Estas primárias são uma forma de chamar as pessoas, de aproximá-las da política.” Até agora, nunca pensou militar em qualquer partido: “Há muitos assuntos que ainda não domino, coisas que não sei”, diz a estudante que não descarta outras experiências no estrangeiro, mas quer viver e trabalhar em Portugal.

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