ADN revela que quase toda a caça aos elefantes ocorre em duas regiões de África

Novas técnicas genéticas aplicadas à análise forense identificam a origem geográfica do marfim de elefantes africanos apreendido pelas autoridades – e podem permitir intervir mais depressa na fonte desse tráfico ilegal.

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Estima-se que uns 50.000 elefantes africanos estejam actualmente a ser mortos por ano Art Wolfe/www.artwolfe.com

Uma equipa de cientistas nos EUA utilizou técnicas de análise genética por ela desenvolvidas para sequenciar o ADN extraído de marfim proveniente do tráfico ilegal de elefantes e apreendido ao longo de cerca de duas décadas pelas autoridades policiais internacionais.

E concluiu que, de 2006 em diante, os elefantes têm sido caçados principalmente em duas regiões do continente africano – e que um destes “pontos quentes” poderá estar a deslocar-se. Os seus resultados, que foram publicados na quinta-feira na revista Science, podem permitir determinar directamente os locais da chacina, agindo assim mais depressa para a impedir e salvar estes animais, em risco de extinção sobretudo devido à caça furtiva.

Todos os anos, uns 50.000 elefantes africanos são mortos – o que representa 10% da população total de elefantes da floresta e da savana naquele continente. A população destes animais está portanto a ser literalmente dizimada.

Samuel Wasser, da Universidade de Washington, é pioneiro na utilização das técnicas genéticas para determinar a origem geográfica do marfim ilegal. E em particular, desenvolveu métodos que permitem extrair ADN do marfim, o que torna possível identificar a população de elefantes a que pertencia.

“A África é um continente gigantesco e a caça furtiva [aos elefantes] está a acontecer por todo o lado”, diz este cientista em comunicado da sua universidade. “Ora, quando olhamos para o problema desta forma, parece impossível lidar com ele, mas quando consideramos as grandes apreensões de marfim, que representam 70% do marfim ilegal em termos de peso, a paisagem muda completamente. De facto, ao percebermos que este grande tráfico transnacional está concentrado em duas áreas principais, poderemos ser capazes de concentrar os esforços de policiamento nessas áreas e de eliminar grande parte desta chacina ilegal.”

Por um lado, a equipa de Wasser já obtivera um “mapa” genético das populações de elefantes africanos à escala regional extraindo o ADN de excrementos de elefante. Mais precisamente, estes cientistas analisaram amostras vindas de 1350 animais, tanto da savana como da floresta, distribuídos por 71 localidades de 29 países africanos, explica a revista Science.

Por outro, numa colaboração com a Interpol (entidade policial internacional, a que pertence um dos co-autores do trabalho agora publicado), o laboratório de Wasser tem recebido, desde 2005, amostras de marfim apreendido, que consistem em discos do material colhidos perto da base das presas dos elefantes.

E agora, os cientistas utilizaram a sua nova técnica genética para analisar 28 “lotes” de marfim ilegal, cada um com mais de uma tonelada de peso, apreendidos entre 1996 e 2014 – incluindo 61% do conjunto das grandes apreensões feitas no mundo inteiro entre 2012 e 2014, refere ainda o mesmo comunicado.

E quando confrontaram este ADN com o “mapa” genético dos elefantes africanos, surgiu uma imagem desta actividade criminosa de uma clareza sem precedentes.

A principal conclusão da análise é que mais de 85% do marfim apreendido entre 2006 e 2014 teve origem em apenas duas regiões. A primeira, que diz respeito aos elefantes da floresta, centra-se num território situado entre o Nordeste do Gabão, o Noroeste do Congo (capital Brazzaville), o Sudeste dos Camarões e o Sudoeste da República Centro-Africana. Quanto à segunda, onde se faz a caça furtiva aos elefantes da savana, está localizada na África Oriental, entre o Sudeste da Tanzânia e o Norte de Moçambique.

E não só: um dos maiores lotes de marfim ilegal continha material  geneticamente oriundo de ambas as regiões, o que, segundo os autores, sugere que existem relações comerciais entre os principais traficantes que operam naquelas duas áreas. Os resultados também revelam que, desde 2011, o segundo “ponto quente” está a deslocar-se para norte, do Sudeste para o centro da Tanzânia, aproximando-se progressivamente do Quénia. Por último, no total de 28 apreensões cujo marfim foi analisado, 23 eram geneticamente diferentes da população de elefantes presente no país africano de onde esse marfim fora expedido para o resto do mundo

“Colectivamente”, escrevem os autores no seu artigo, “os nossos dados poderão fornecer uma visão global do tráfico de marfim ao longo do tempo”.

Actualmente, dizem ainda, o tráfico de animais selvagens representa a quarta maior rede mundial de crime organizado – e o tráfico de marfim africano é uma grande fatia dessa actividade ilegal. Os autores pensam aliás que a sua técnica forense também poderá vir a ser adaptada para lutar contra o tráfico de outras espécies selvagens.

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