Poema de Sophia surpreendeu alunos e a média a Português pode descer

As duas associações de professores de Português voltaram a divergir na análise do exame.

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NFactos/ Fernando Veludo
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No próximo ano, Inês Alonso espera estar em Engenharia do Ambiente Nélson Garrido

Na Escola Secundária Carolina de Michaelis, no Porto, o toque das campainhas que assinalou o final do exame nacional de Português do 12.º ano, ao meio-dia desta quarta-feira, foi acompanhado por uma sensação de alívio generalizada. “Só falta mais um”, ouvia-se.

Para a maioria foi acessível, ainda assim “exigia uma boa capacidade de interpretação”, considera Inês Alonso, 17 anos, aluna da escola. A menos de um mês do 11.º aniversário da morte da poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, foi ela uma das escolhidas para figurar na prova através do Bach Segovia Guitarra. Para os alunos foi uma surpresa. Trata-se de uma autora ensinada no 10.º ano. Inês comenta que os amigos acharam mais complicado, não tinham estudado a obra como estudaram, por exemplo, Os Maias de Eça de Queirós, ou a Mensagem de Fernando Pessoa.

“É um poema que não é muito conhecido, com uma forte carga metafórica e por isso suscitador de dúvidas por parte dos alunos”, comentou ao PÚBLICO a presidente da Associação de Professores de Português (APP), Edviges Ferreira. “Espero enganar-me, mas penso que, por comparação a 2014, a média do exame de Português vai voltar a descer”, indicou. No ano passado a média foi de 10,7 contra 8,9 em 2013, altura em que a prova coincidiu com uma greve geral de professores.

Segundo a presidente da APP, existem duas perguntas de interpretação, relacionadas com o poema de Sophia, “que exigiam uma grande concentração da parte dos alunos e se isso não aconteceu podem não ter conseguido responder ao que era pedido”. Edviges Ferreira não põe em causa a qualidade do exame, “está bem elaborado e as perguntas bem formuladas” , mas lamenta que não tenha o grau de objectividade das provas do 4.º, 6.º e 9.º ano, que foram realizadas este ano.

Já a nova Associação Nacional de Professores de Português considera, pelo contrário, que a prova foi “bastante acessível e absolutamente exequível para qualquer aluno”. Num parecer escrito refere que “os alunos utilizaram o tempo de tolerância, sendo escassos os que a terminaram dentro do tempo regular.”

Entre os pontos positivos da prova, esta associação destaca “a exigência de conhecimentos de análise literária e de compreensão escrita de nível médio/alto” e “a originalidade e criatividade no modo como foram testados os conteúdos” programático. 

Referem ainda que a prova estava “atravessada pela matriz do sensacionismo pessoano, com mecanismos de uma linhagem temática do texto contemporâneo. Trata-se de uma recepção estética de textos de cariz metafórico, polissémico, humanista e paradigmático da experiência e sabedoria popular de Baltasar e Blimunda e do autoconhecimento no texto de Sophia de Mello Breyner”.

Elogiam também a escolha de um texto de José Tolentino de Mendonça por “apresentar qualidades ímpares tanto na estrutura temática como discursiva”.

Um outro texto proposto aos alunos, um excerto do Memorial do Convento, do Nobel da Literatura, José Saramago, não suscitou surpresa já que é uma das obras mais estudadas no 12.º ano. Para Inês foi muito acessível: “o excerto não exigia estudo aprofundado da obra, bastava saber do que se tratava e interpretar”.

Também a gramática e a composição “não foram nenhum bicho-de-sete-cabeças”, acrescenta.

Dúvidas até ao fim
Ao exame de Português, que é obrigatório para todos os alunos do 12.º ano, faltaram cinco mil alunos. Estavam inscritos 73.150, compareceram 68.150. 

Na secundária do Porto, a 15 minutos das 09h00 horas desta quarta-feira tiram-se as últimas dúvidas, fazem-se as últimas perguntas. “Explica-me a ligação entre Caeiro e Cesário Verde”, pedem à Inês À medida que a hora do exame se aproxima, o burburinho cresce nos corredores da secundária Carolina Michaelis. Inês Alonso está calma: “quando cheguei elas [as colegas] estavam agarradas aos livros, mas eu disse-lhes logo que não lhes adianta nada estudar agora”, brinca.

 Assim que os alunos vão chegando o passo a seguir é ver a sala em que irão realizar a prova. “Estou sozinha, não tenho ninguém da minha turma na minha sala”, comenta Inês. Ainda há tempo para comer um chocolate, comentar o último episódio da Guerra dos Tronos e falar da aguardada viagem a Barcelona. Inês despede-se do seu último exame (Matemática A) no dia 23 e parte imediatamente para Espanha, onde vai participar num torneio de voleibol.

“A verdade é que não estou nervosa, é Matemática A que me assusta, pelo menos o exame de Português só conta para a minha média interna”, confessa Inês, que pretende candidatar-se ao curso de Engenharia do Ambiente, que não tem Português como prova de ingresso.

 Às 0900, cumprindo a meia hora de antecedência exigida nas regras dos exames para a comparência no local da prova, os alunos dirigem-se às salas designadas e o burburinho desvanece-se. Inês aproveita a tolerância de 30 minutos. Quando sai da sala do exame, às 12 horas, está feliz: “correu bem, sentei-me, respirei fundo e comecei a responder”. Resta saber que nota espera tirar, mas Inês não quer pensar nisso: “eu sei lá quanto vou ter, nem gosto muito de especular antes de saírem os resultados, não vá desiludir-me”, afirma.

Inês irá também fazer, no dia 22, o exame de Biologia e Geologia do 11.º ano para melhorar a nota. Mas o que a deixa mais nervosa é mesmo o exame de Matemática A. O exame desta disciplina funciona obrigatoriamente como prova de ingresso para o curso que Inês quer escolher. “Só de pensar que o meu futuro pode depender desta prova”, desabafa.

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