Papa diz que combater as alterações climáticas "é um imperativo moral"

Encíclica em "louvor da protecção da nossa casa comum" fala no comportamento irresponsável cujo resultado é a "destruição sem precedentes dos ecossistemas" e apela à mudança para a preservação do ambiente.

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O Papa Francisco não tem dúvidas de que é a intervenção humana que está por detrás das alterações climáticas e da “destruição sem precedentes dos ecossistemas”, e por isso defende mudanças profundas no estilo de vida das sociedades mais desenvolvidas, na produção e consumo de energia ou nas políticas internacionais definidas para a preservação do futuro do planeta.

Um rascunho da primeira encíclica ambiental de Francisco foi obtido e avançado pela revista italiana L’Espresso, que publicou uma versão do documento original de 192 páginas, intitulado “Louvor da Protecção da Nossa Casa Comum”. O plano do Vaticano era divulgar as recomendações do Papa apenas na quinta-feira, e vários observadores da Santa Sé interpretaram a fuga de informação como uma tentativa de sabotagem da mensagem do Papa, que assume a causa ecologista – e adopta uma posição progressista no debate sobre as alterações climáticas, em oposição aberta aos críticos da ciência produzida sobre o assunto.

Esta não é uma matéria de fé, distingue Francisco. “Inúmeros estudos científicos demonstram que nas últimas décadas o aquecimento global foi principalmente resultado de uma grande concentração de gases com efeito de estufa em função da actividade humana”, sublinha, censurando as “atitudes que continuam a travar uma solução [para o problema], e que vão desde a negação à indiferença, a uma conveniente resignação ou à crença ilimitada nas capacidades técnicas”.

O rascunho ontem divulgado, interpretava a imprensa norte-americana, serve como uma espécie de “salvo de abertura” em antecipação da viagem papal aos Estados Unidos, para participar numa sessão nas Nações Unidas e um discurso perante o Congresso: o objectivo, concordavam os analistas, é influenciar o debate e, potencialmente, as políticas que venham a ser adoptadas na sequência das conferências internacionais sobre as questões do clima, em Nova Iorque e em Paris.

Segundo a Reuters, ao definir a protecção e salvaguarda do ambiente como um “imperativo moral para todos os católicos”, a Santa Sé está a impelir à acção os mais de 1,2 mil milhões de fiéis da Igreja, numa gigantesca acção de sensibilização e mobilização mundial. O The Washington Post notava que a encíclica tem em conta os ensinamentos transmitidos durante os séculos, e que colocam o respeito (e defesa) da Criação como valor e responsabilidade fundamentais para os cristãos.

“O Papa Francisco propõe-nos que reconheçamos que o nosso ambiente natural está cheio de feridas produzidas pelo nosso comportamento irresponsável”, diz o documento – e são esses comportamentos que urge corrigir, prossegue. Entre as acções e medidas urgentes apontadas para atacar o problema e mitigar a crise ambiental estão a substituição dos combustíveis fósseis e o investimento em energias renováveis. Francisco também preconiza uma mudança do paradigma do “consumismo desenfreado” das sociedades ocidentais, que “crescentemente está a transformar o nosso planeta numa imensa lixeira”.

A preocupação do Pontífice vai para o que designa como a “dívida ecológica” entre os hemisférios Norte e Sul, ou de modo mais geral, entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Francisco associa os fenómenos da poluição, da degradação e exaustão de recursos à desigualdade e exclusão, e considera que a “abordagem ecológica tem de incluir uma abordagem social. É preciso integrar a justiça no debate sobre o ambiente, porque os pobres e a Terra gritam pela nossa atenção”, diz o Papa, cuja encíclica pede a Deus que “ilumine os detentores do poder e do dinheiro para que não sucumbam ao pecado da indiferença, para o bem-comum, apoiem os mais frágeis e tratem deste planeta em que todos habitamos”.

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