“É muito difícil acreditar que a Grécia sai do euro e todos os outros ficam”

O norte-americano Laurence Ball diz que “há alguma coisa errada no mundo se começamos a chamar um sucesso a uma economia com 13% de desemprego”.

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"Tenho-me surpreendido que o euro tenha sido tão sustentável do ponto de vista político", diz Laurence Ball DR

Laurence Ball, professor na Universidade Johns Hopkins nos Estados Unidos, tem mostrado ao longo dos últimos anos como as recessões têm um efeito negativo permanente no potencial de crescimento da economia no médio e longo prazo. É o chamado efeito de “histerese”, que significa que depois de uma recessão profunda a economia sai da crise, mas com uma taxa de crescimento mais baixa do que acontecia no passado. De visita a Portugal para participar no Fórum do Banco Central Europeu (BCE), que ocorreu no passado mês de Maio, o economista norte-americano disse ao PÚBLICO que este é mais um motivo para ser o mais agressivo possível na aplicação de políticas económicas que combatam a recessão, como o lançamento de estímulos orçamentais.

Tem dito que, depois de uma crise como a que tivemos no mundo nos últimos anos, um crescimento mais lento é inevitável. Não corremos o risco de cair num pensamento derrotista em relação ao crescimento económico?
Sim, há um risco de derrotismo. Eu penso que a crise provocou realmente um dano significativo na economia. Um dos casos mais óbvios é o facto de haver pessoas que, perante a crise, saem da força de trabalho porque se torna muito difícil encontrar empregos e ficam desencorajadas. Há um trabalho da Reserva Federal norte-americana, feito há um ano e meio, que introduz este problema da histerese, mostrando que se o desemprego sobe acima da taxa de desemprego natural, então a taxa natural sobe. E que esse efeito não é simétrico, ou seja, que se a taxa de desemprego fica abaixo da taxa natural, esta não desce. E é por isto que há esta visão pessimista de que infelizmente tivemos esta enorme recessão e agora temos um enorme desemprego para sempre e temos de viver com isso. Mas acredito que isto é de alguma forma reversível. 

Então o que pode ser feito?
É preciso é um crescimento mais forte, alimentado por uma procura mais forte. Por exemplo, nos Estados Unidos, um estímulo orçamental mais forte seria extremamente eficaz. Normalmente, a política monetária também poderia ser eficaz. Mas, por causa de estarmos colados ao limite de taxas de juro zero, tenho mais dúvidas em relação aos resultados que podem vir daí. Se as taxas de juro estivessem a 4% e alguém perguntasse como é que pomos a economia a crescer, muito rapidamente seria possível encontrar uma solução, cortando as taxas de juro. Mas, no actual cenário, os bancos centrais podem tentar comprar activos e tomar outras medidas não convencionais, mas não estou muito seguro em relação aos resultados que isso pode produzir. 

Na Europa também? Acha que o estímulo orçamental também deve ser a principal arma a usar para fazer a economia crescer?
Sim. Os bancos centrais podem ser muito inteligentes e encontrar formas inovadoras de ultrapassar os limites das taxas de juro zero, mas os estímulos orçamentais são a forma mais fácil de agir nas actuais circunstâncias. Isso é muito importante se queremos evitar efeitos de longo prazo negativos no crescimento.  

E os efeitos que teria no equilíbrio nas contas públicas não o preocupam?
Aí concordo com a ideia defendida por Lawrence Summers de que um estímulo orçamental teria um efeito tão grande na economia que acabaria por se pagar a si próprio com receitas fiscais mais elevadas. Agora, se dissermos isso a um líder político nos EUA e na maior parte da Europa, respondem-nos para não perdermos o nosso tempo, que isso não está no horizonte. 

Na Europa, com as regras do Pacto de Estabilidade, vê ainda mais dificuldades em pensar numa política de estímulo orçamental do que nos EUA?
O Pacto de Estabilidade e Crescimento acrescenta um constrangimento adicional. Mas, de um ponto de vista puramente económico, os países com taxas de desemprego elevadas beneficiariam de um estímulo orçamental, mesmo que isso significasse não cumprir algumas regras para o défice no curto prazo. No longo prazo, seria melhor para o emprego, para o crescimento económico e, provavelmente, para o rácio da dívida pública face ao PIB. O trabalho publicado por Brad DeLong e Lawrence Summers em 2011 sobre este assunto ofereceu argumentos muito convincentes relativamente a esta matéria, mostrando que, se há um efeito de histerese, mesmo que muito pequeno, isso é o suficiente para que um estímulo orçamental se pague a si próprio. E o efeito de histerese que parece realmente existir é bastante significativo. 

E que devem fazer países periféricos como Portugal que muito recentemente tiveram problemas em obter financiamento de mercado?
Bom, a taxa de desemprego actualmente em Portugal, penso que está próximo de 13%. E, se calhar, tenho uma visão politicamente incorrecta e que não deveria dizer numa conferência do BCE, mas do meu ingénuo ponto de vista norte-americano, historicamente quando vemos economias com os problemas que existem na Europa periférica, a maneira como os problemas acabaram por ser resolvidos foi através da depreciação das suas divisas. E isso, para os países da zona euro, significa saírem do euro. Eu estudei o currency board na Argentina (a divisa argentina tinha uma taxa de câmbio fixa face ao dólar), que era uma situação semelhante e as coisas foram-se tornando cada vez piores, até que em 2001 desistiram e disseram que iriam entrar em incumprimento da sua dívida, que abandonavam a ligação fixa ao dólar e que a sua divisa ia cair. Durante um ano ou dois houve algum caos, mas a seguir, com uma taxa de câmbio muito baixa tiveram uma recuperação. Essa pode ser a única maneira. 

Mas esses dois anos de caos têm custos elevados e politicamente podem ser impensáveis…
Tenho-me surpreendido que o euro tenha sido tão sustentável do ponto de vista político. Na Argentina, os governos repetiam que nunca iriam deixar cair a ligação fixa ao dólar, as condições económicas deterioravam-se, havia corridas aos bancos, os governos caiam, continuavam a dizer que a divisa não ia cair, até que o quinto governo interino cedeu. Na Europa, a verdade é que, há cinco anos, quando havia confrontos nas ruas na Grécia, eu não acreditava que o euro se iria manter intacto. Mas quem sabe não estaremos agora a ir por esse caminho. Como muitos americanos, tenho problemas em perceber porque é que há uma ligação tão forte dos países e das pessoas ao euro. Na Grécia, aparentemente as pessoas vêem a saída do euro como sendo algo que daria ainda mais poder aos seus próprios governos, em quem não confiam. 

Em relação a Portugal, muita gente apresenta o país como um caso de sucesso, porque voltou a crescer e o desemprego está a baixar. Concorda?
Bom, a taxa de desemprego está em 13%. Acho que há alguma coisa errada no mundo se começamos a chamar um sucesso a uma economia com 13% de desemprego. Esse é o tipo de derrotismo e de abaixamento das expectativas que acho que não devemos fazer. 

O que prevê para o futuro da zona euro?
Apostaria em um de dois cenários e nenhum deles é muito positivo. Um é uma situação em que se continua a viver um pouco como até aqui, com alguns países com um desemprego de 13%, outros com 25%. Talvez os 13% caiam para 10%, talvez os 25% caiam para 22%, mas sempre com um cenário de longo prazo de emprego fraco. O outro cenário é que esse desemprego persistentemente alto acaba por revelar-se intolerável para a população de algum país, que acaba por eleger um governo que não quer ficar no euro. E eu acredito que se um país sair do euro, outros se seguirão. A história de contágios em crises cambiais sugere que é muito difícil acreditar que a Grécia sai do euro e todos os outros ficam, por exemplo. 

E um cenário em que se estabelece uma união orçamental mais forte, que permitiria outro tipo de políticas na periferia poderia ser uma alternativa?
Do ponto de vista económico seria exequível, mas politicamente não é. Se houvesse uma grande expansão orçamental na Grécia financiada pela Alemanha, isso provavelmente resultaria. Mas a oposição política a isso e as exigências do Pacto de Estabilidade fazem com quase de certeza não venha a acontecer.

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