Venda da TAP envolve “controlo simulado”, diz especialista de Direito Administrativo

Miguel Prata Roque afirma que a Comissão Europeia não poderá permitir, à luz das normas comunitárias, que David Neeleman, um não-europeu, controle na prática a companhia aérea.

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TAP vai ser vendida ao consórcio de David Neeleman e Humberto Pedrosa Paulo Ricca

A venda da TAP envolve uma situação de “controlo simulado”, acusa Miguel Prata Roque, advogado e professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, considerando que esta será poderá ser a segunda irregularidade a somar à falta de concurso público para a escolha das entidades fiscalizadoras do processo, já em apreciação pelos tribunais.

Em causa está o facto de o consórcio vencedor da privatização da companhia aérea portuguesa ser um consórcio do qual o brasileiro-norte-americano David Neeleman, dono da companhia aérea Azul, detém 49% e Humberto Pedrosa, proprietário do grupo Barraqueiro, detém 50,1%, surgindo assim como sócio maioritário.

“O que me choca é que se ludibrie o Direito vigente para obter o sucesso de uma operação de privatização de uma empresa estratégica para o país”, declarou ao PÚBLICO Miguel Prata Roque, argumentando que “quem fez o contacto com o Governo português, quem têm o know how, quem tem o dinheiro, quem fala sobre o assunto é o senhor David Neeleman”. Logo é este empresário que detém o controlo real sobre a TAP. E é isso o que interessa à Comissão Europeia. Pelo que Miguel Prata Roque defende que a Comissão não pode aceitar esta simulação de controlo.

Advogado do escritório AAMM e comentador habitual na Económico TV, Miguel Prata Roque frisa que, “do ponto de vista formal, quem tem a maioria é Pedrosa e Neeleman surge como minoritário”, mas garante que essa solução foi a forma encontrada pelo dono da Azul para poder comprar a TAP. “Sabem que assim podem dizer que o controlo é de Pedrosa”. Mas Miguel Prata Roque defende que, “em Direito, isto chama-se controlo simulado”.

Em causa está o disposto no regulamento europeu “relativo à concessão de licenças às transportadoras aéreas”, datado de 23 de Julho de 1992, que no seu artigo 4.º estipula que, “apesar da liberdade de circulação de capitais, há limitações à detenção de capital e de propriedade” de companhias aéreas em espaço europeu. Assim, a “empresa deverá ser de Estados membros ou de nacionais”.

Em 2012, quando se colocou a hipótese da venda da TAP “[Germán] Efromovich adquiriu nacionalidade polaca, uma vez que era descendente de judeus polacos, para poder concorrer, e acrescentou-a as nacionalidades colombiana, boliviana e brasileira que já tinha, lembra Miguel Prata Roque, que explica que “Neeleman tem nacionalidade norte-americana e brasileira e gere fundos dos Estados Unidos, pelo que percebeu que precisava de um português como sócio”.

A privatização da TAP está a ser discutida em tribunal, concretamente no Supremo Tribunal Administrativo, devido a uma outra alegada irregularidade que se prende com o facto de o Governo não ter aberto concurso público para a escolhas das entidades independentes que acompanham a avaliação do processo de privatização, como determina a lei das privatizações, no seu artigo 5.º, lembra Miguel Prata Roque, que também foi adjunto do ex-ministro Augusto Santos Silva, num Governo de Sócrates. Refira-se que, para a privatização da TAP, o Estado contou com as assessorias, contratadas por ajuste directo, do escritório de advogados Vieira de Almeida, para as questões jurídicas, e do Citygroup, o Barcklays Bank, o BES Investimento e Credit Suisse, para as questões financeiras. Se tivesse aberto concurso para a escolha dessas entidades de acompanhamento, a privatização demoraria mais um ou dois meses a poder concretizar-se.

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