Das Fontainhas para o Cerco, a Vandoma vive dias de incerteza

A mudança da Feira da Vandoma das Fontainhas para o bairro do Cerco é a tónica constante nas conversas de feirantes, clientes e comerciantes da zona.

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A Vandoma vai sair das Fontainhas apesar dos protestos dos vendedores
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A Alameda das Fontainhas poderá não ser mais o abrigo da Feira da Vandoma. A proposta da Câmara Municipal do Porto para a deslocalização da feira para a Alameda de Cartes, no bairro do Cerco, em Campanhã, será brevemente levada a reunião pública da autarquia. O “burburinho” instalou-se e todos os que dependem directa ou indirectamente da feira não apreciam a sugestão.

A manhã de sábado é sinónimo de Feira da Vandoma, faça chuva ou faça sol. Um lema com sentido acrescido para Laura Brites, feirante de 66 anos, com 30 anos de trabalho na Vandoma. Não há espaço para se render, mudar a localização da feira não se pondera. “Nós [feirantes] vamos lutar para que fique nas Fontainhas para sempre. Até ao dia em que me disserem 'Tens de sair, senão a polícia leva-te', eu não vou parar e desistir”, promete Laura.

As Fontainhas não foram desde sempre a casa deste mercado de rua. Em frente ao edifício da Cadeia da Relação, o actual Centro Português da Fotografia (CPF), na Cordoaria, a feira construiu muito do seu legado. Os vendedores e os clientes “emigraram” até à Alameda das Fontainhas. Não sentiram necessidade de recusar, visto que o centro histórico continuava nos bastidores da Vandoma.

A então mudança para as Fontainhas implicou obras de adaptação do local. A terra batida não facilitava a circulação e a câmara municipal executou alguns trabalhos na rua. As melhores condições e os lugares marcados implicaram o pagamento de uma licença por parte dos vendedores. “A alameda tinha árvores e muita terra, ficava tudo sujo de lama quando chovia”, explica a feirante. Porém, nem todos aceitaram de ânimo leve a nova medida. Laura Brites relembra a indignação do filho: “Ele dizia que ninguém tinha de pagar nada, porque a Vandoma era de borla.”

Hoje, a feirante paga à autarquia do Porto, cerca de 90 euros mensais por quatro lugares. Não estão todos em seu nome, mas assumiu as despesas.

Depois de dois protestos, um a 4 de Maio e outro a 19 de Maio, os vendedores manifestaram-se em frente da autarquia, onde apresentaram argumentos e exigiram respostas. Mas a intenção camarária permanece inabalável.

Entretanto, surgiu mais um percalço. As festividades de São João ditaram a interrupção da feira de 23 de Maio a 6 de Julho, porém, muitos argumentaram já ter pago o mês de Maio. A falta de esclarecimento levou a que, no fim-de-semana de 23 de Maio, alguns feirantes voltassem às Fontainhas. De madrugada e com a vigilância da polícia municipal, o dia não começou de feição. “Não são só os vendedores que fazem os problemas, a polícia também faz. Colocámos os lençóis no chão para marcar os lugares e eles colocaram no lixo”, recorda Ruben Duarte, feirante de 20 anos. O acordo chegou e o executivo de Rui Moreira aprovou a realização de mais duas feiras: os sábados de 30 de Maio e 6 de Junho.

A fiscalização é um dos problemas mais comunicados por todos os que vivem e fazem das Fontainhas o seu local de trabalho. A dicotomia entre os que pagam licença e os que vendem clandestinamente é uma realidade. “Perderam o controlo da feira. Existem queixas de moradores porque os clandestinos vendem à frente das casas das pessoas”, explica Manuel Martins, porta-voz dos feirantes da Vandoma. O desejo de uma fiscalização mais apertada é notório, especialmente, entre os vendedores que afirmam sair prejudicados com a concorrência desleal. “Deviam pôr um horário fixo e não deixavam vender até terem permissão”, defende Elvira Rainha, de 69 anos, com 15 de Vandoma.

Se o fontanário é a linha de divisão entre a venda legal e ilegal, os feirantes que não pagam licença têm uma palavra a dizer. Não querem sair das Fontainhas, mas afirmam que “barulho vai existir sempre”, outro dos problemas denunciados, especialmente quando se espera que a Feira dos Passarinhos ocupe o lugar da Vandoma.

Daniela tem 27 anos, é moradora no Passeio das Fontainhas, vende na Vandoma e não paga qualquer taxa. “É complicado porque nos habituámos a vender aqui. No Cerco vai ser diferente e a feira vai acabar, porque os clientes não vão até Campanhã”, reconhece. Nunca ninguém veio ter com ela e lhe disse que tinha de pagar, afirma.

Para António Pereira, a discrepância de opiniões entre os feirantes da Vandoma resulta de uma atitude de “hipocrisia”. O vendedor encontra-se nos dois lados da moeda, tanto tem lugar na parte legal como na ilegal. Sabe o que é pagar um lugar na Vandoma, mas reconhece que alguns colegas que pagam licença não têm as práticas mais adequadas. “Acham-se no direito de vender artigo novo sem facturas, queixam-se e estão contra nós. Não pode ser”, afirma. O insucesso previsto no Cerco assusta, sobretudo, a “quem precisa de dinheiro no fim da feira para comprar comida para o resto da semana”.

Para o café La Fontaine, a feira é uma força motora e a possibilidade de tudo terminar com a mudança para o Cerco não é um bom presságio. Armando Costa, além de proprietário do snack-bar, mora também nas Fontainhas e não sabe o que será do lugar sem o movimento frenético dos sábados de manhã. “Durante a semana, é um sítio muito parado. Não conseguimos sobreviver sem a Feira da Vandoma”, refere. Além dos factores racionais, elevam-se os emotivos: “Os meus filhos eram pequeninos e ajudavam na feira”. Não há uma semana que passe sem que o Armando pense que à quinta-feira tem de encher o armazém do estabelecimento para a Vandoma.

Maria José e João Martins não são meros visitantes da feira. Os longos anos enquanto compradores fá-los ter uma posição vincada sobre a ida para o Cerco. “A tendência é para acabar com tudo o que é tradicional”, afirma Maria José. Já o marido assume-se como um “vandomeiro” desde os tempos de estudante e reconhece que a feira tem vindo a degradar-se, mas que tal só ocorre porque as autoridades não actuam.

O rumor de que uma unidade hoteleira irá ser feita nas imediações do Passeio das Fontainhas tem circulado por entre vozes de vendedores e clientes. Contactada pelo PÚBLICO, a Câmara Municipal do Porto não comenta o rumor, antes realça que a proposta de deslocalização está relacionada com a crescente dimensão da feira. Quanto à falta de fiscalização, assume a dificuldade e contrapõe que tem contestado junto do Governo o baixo número de efectivos da Polícia de Segurança Pública (PSP).

O São João avizinha-se e nos próximos fins-de-semana, a Vandoma não estará nas Fontainhas. Os resultados da discussão pública hão-de ir a reunião de câmara e, até lá, a incerteza sobre o futuro de uma das feiras mais emblemáticas do Porto permanece.

Texto editado por Ana Fernandes

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