“Estamos a ficar sem tempo, são precisas mais bolsas”

Em Portugal são 63, ao todo mais de cem. Fora da Síria puderam continuar os estudos que a guerra interrompeu. Sabem que há centenas de milhares sem a mesma oportunidade.

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Estudantes Sirios que chegaram a Portugal através do projecto Plataforma Global de Assistencia Nuno Ferreira Santos

Alaa Alhariri está no segundo ano de Arquitectura na Universidade de Évora e acredita que a sua geração ainda “pode criar algo novo, um motivo de orgulho”, uma nova Síria. Mas avisa que há muitos como ela que não tiveram a mesma sorte: “Estamos a ficar sem tempo, são precisas mais bolsas”.

Rawan Darwish, aluna do primeiro ano de Farmácia na Covilhã, diz que teve de vir para um país diferente e estudar numa língua desconhecida para descobrir forças que não sabia ter. “Aqui, com as dificuldades, trabalhamos mais do que os nossos colegas, damos o melhor de nós. Se tivéssemos ficado no nosso país, a estudar nas nossas línguas, nem saberíamos do que eramos capazes.”

O primeiro grupo de estudantes sírios aterrou há mais de um ano, em Março de 2014, o segundo em Outubro. Ao todo, são 63 e há quem esteja a acabar mestrados, especializações ou até o doutoramento. Outros estão a meio de um curso que já podiam ter terminado. Todos perderam tempo, roubado pelo conflito.

Alaa tem 25 anos e é a mais nova, nasceu em Damasco e passou pelo Líbano, Egipto e Turquia. Devia estar no 3º ano de Arquitectura, perdeu três anos. Todos interromperam os estudos e alguns passaram anos a tentar recomeçá-los sem sucesso em países da região até aqui chegarem, com uma das bolsas da Plataforma Global de Assistência Académica a Estudantes Sírios, promovida pelo ex-Presidente Jorge Sampaio.

No domingo, 24 estudantes de universidades de Lisboa, Porto, Évora, Coimbra e Covilhã juntaram-se em Lisboa para partilhar as suas histórias com quem os acompanha a tempo inteiro e com alguns dos parceiros da Plataforma, embaixadores árabes e o secretário-geral adjunto da Liga Árabe, Badreddine El Allali. Sampaio decidiu que para avançar com este projecto precisava de dois parceiros institucionais de peso, o Conselho da Europa e a Liga Árabe – esta contribui financeiramente desde o início.

Para além dos estudantes que vieram para Portugal, o programa conseguiu colocar dezenas em universidades no Líbano, França, Bélgica, Alemanha, Canadá, Estados Unidos ou Argentina.

Rodwan Bakkar veio com Alaa de Évora, onde estuda Engenharia Informática. Tiveram de apanhar um táxi da estação de autocarros até ao hotel Sana Metropolitan, parceiro da Plataforma, onde aconteceu o encontro, e Alaa nem queria acreditar quando o taxista respondeu a Rodwan como se ele fosse mesmo português.

O jovem de Homs, cidade arrasada pelo regime de Bashar al-Assad, também tentou o Egipto durante um ano e depois a Turquia, dez universidades em três meses, nenhuma o aceitou, “apesar de ter tudo o que era preciso”. “Aqui foi tudo um sonho, o visto, a universidade, em poucos dias estava tudo pronto”, recorda. Rodwan, 25 anos, já teve uma oferta de trabalho, mas quer acabar o mestrado e fazer um doutoramento. Para além dos estudos, “há a vida e é muito difícil viver quando não se fala a língua, então comecei a aprender”.

Desde Março de 2011, morreram mais de 230 mil pessoas na Síria e dez milhões abandonaram as suas casas, pelo menos quatro milhões são refugiados, a maioria nos países da região. Estes 63 estudantes estão cá, mas não se esquecem dos que não estão. Sabem que um dia a Síria vai precisar deles e que eles não chegam.

Uma questão de justiça
Hala Shahin é a única quase doutorada. Teve um percurso diferente, já tinha estudado em Portugal antes da guerra, depois viveu em Espanha e Itália, antes de regressar com esta bolsa para acabar os estudos em Agronomia com um doutoramento em Alterações Climáticas. “As coisas que outras pessoas querem foram-nos roubadas”, diz. “Esta bolsa é uma possibilidade mas também é uma questão de justiça. Perdemos muito e isto é algo que recebemos.”

Há uma médica no grupo, outra Hala, finalmente a terminar a especialização em Ginecologia. “Estava no último ano, tão perto de obter o meu certificado. E quase no fim, tudo acabou. Fugi da Síria antes dos exames finais e dois países árabes recusaram admitir-me nas suas universidades”, conta. “Esta bolsa foi um milagre”, diz, mesmo que tenha sido difícil conseguir o reconhecimento da licenciatura em Medicina.

Irmã mais velha de uma família grande, a jovem de 32 anos queria poder ter por cá o resto dos irmãos, pelo menos aquele que concorreu e foi escolhido para vir no primeiro grupo, mas não viu o último email a tempo de chegar a Beirute e apanhar o avião que foi buscar os estudantes. Ela veio em Outubro e passa os dias no Hospital de Santa Maria.

Diab Salem chegou no primeiro grupo, o que viajou num C-130 da Força Aérea depois de alguns emails recebidos em poucos dias, incluindo um às duas da manhã. O jovem comentou com alguns amigos e concluíram que “ninguém sério estaria a trabalhar a essa hora na Europa”. Por causa disso, a Plataforma recebeu um email de um advogado canadiano preocupado com a possibilidade de se tratar de um esquema de tráfico. Confusão desfeita, Diab apanhou o avião e reiniciou o mestrado em Marketing, “depois de três anos a tentar”. Agora fala de tudo com um sorriso, maior ainda quando conta do workshop em Gestão que fez em Barcelona e do estágio que está a tentar no Barça.

Sara também sorri muito. Está na Covilhã, é de Alepo, estuda Farmácia, o seu “sonho”, para um dia “poder melhorar os cuidados de saúde” na Síria. Costumava andar numa cidade enorme, a maior da Síria, agora diz que tem de “escalar” para se mover numa terra pequena. Não faz mal. No Verão, Sara e os outros alunos de Farmácia estagiaram na Bial, a farmacêutica com sede na Trofa. “Estou a estudar o que quero, estagiei numa empresa muito respeitada. Sinto que estou no caminho do meu sonho. Só gostava que outros sírios tivessem a mesma oportunidade que nós tivemos.”

 

 
 

   

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