Passos elogia “coragem” em privatizar TAP, PS garante que pode reverter processo

Sem operação, o resultado seria “a liquidação da empresa no médio prazo”, insiste primeiro-ministro. Oposição ataca em força negócio. PS quer ouvir ministro da Economia no Parlamento. BE agendou debate de actualidade para sexta-feira.

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Pedro Passos Coelho Daniel Rocha/Arquivo

O primeiro-ministro congratulou-se nesta quinta-feira com a decisão do Conselho de Ministros de privatizar da TAP, ao escolher vender 61% da TAP a David Neeleman, dono da Azul, que se aliou ao empresário português Humberto Pedrosa, da Barraqueiro. Todos os partidos da oposição manifestaram o seu desagrado e o PS alega mesmo que o processo ainda não chegou ao fim, está numa fase intercalar, e que, se for Governo, o reverterá.

“Julgo que hoje, com muita coragem, o Conselho de Ministros terá dado um contributo importante para que o hub [placa giratória] de Lisboa se possa consolidar”, afirmou Passos Coelho, sem se referir a detalhes do processo, nem especificamente ao nome do comprador. 

Em declarações registadas pela SIC, o primeiro-ministro voltou a defender que esta era a única solução para salvar a companhia área: “Sabemos o que aconteceu à maior parte das companhias de bandeira na Europa ao longo de todos estes anos. Ora, o que aconteceria se não tivéssemos condições para concluir este processo com sucesso era a liquidação da empresa no médio prazo, depois de uma manobra de reestruturação pública que não faria mais do que empurrar com a barriga o problema”, insistiu.

O governante considerou ainda que a situação já se arrastava há demasiado tempo e era necessária uma solução para que não se agravasse ainda mais: "O Conselho de Ministros já concluiu o seu trabalho e já tomou uma decisão nesta matéria. E é muito importante que o pudesse ter feito, na medida em que, pelo menos, desde 1997 que os governos andam a ver se conseguem resolver o problema da TAP. São já muitos anos. Temos de concordar que não temos sido muito eficientes nestes últimos 18 anos a resolver um problema que se tem agravado: a cada ano que passa, agrava-se.”

Passos Coelho afirmou ainda que, com esta decisão do Conselho de Ministros, a situação poderá ser finalmente resolvida e não perdeu a oportunidade de associar o PS ao processo de privatização: "Julgo que estamos finalmente em condições de poder resolver esse problema e isso é extraordinariamente importante. Nós não podemos andar contra a história, sabemos o que é que conduziu um governo socialista em 1997 a procurar na Swissair um parceiro para poder realizar a privatização da TAP", declarou.

Em 1997 o que aconteceu foi, porém, diferente. Em causa, estava apenas a venda de 49% da transportadora. Foi durante um governo socialista, é certo, era então ministro do Equipamento João Cravinho. Apesar de se ter chegado a acordo com a Swissair, o negócio não chegou a ser concluído, devido a dificuldades financeiras da companhia suíça. 

Depois de toda a oposição ter reagido ao negócio, criticando-o, a maioria, CDS e PSD, vieram subscrever a satisfação do primeiro-ministro e defender o negócio. O deputado centrista Hélder Amaral afirmou ter dificuldade em entender o PS: “Estou confiante que as decisões do Governo serão estáveis e para manter, e que o PS será responsável nessa matéria. Tenho alguma dificuldade em perceber um partido que, quando é Governo, sempre quis privatizar ou fundir a companhia, inscrevendo a privatizando no memorando da troika e nos vários PEC [programas de estabilidade e crescimento], mas venha agora pôr em causa essa decisão”, reagiu Hélder Amaral, apelando à “serenidade” no PS. 

Também Luís Leite Ramos, vice-presidente da bancada do PSD, defendeu o negócio: insiste que “a maioria do capital é de um empresário português” e salienta o investimento em 53 aviões novos. Além disso, sublinha que a proposta apresentada “resolve o problema mais importante” da empresa – “o da liquidez”.

Depois de lembrar, à semelhança do que fez Passos Coelho, que desde 1997 “vários governos tentaram resolver o problema da TAP”, através da privatização, condenou a ameaça do PS – que defende a maioria do capital social da transportadora nas mãos do Estado - de fazer reverter o processo, caso ganhe as eleições.
 
Lembrou que “o contrato de compra e venda vai ser assinado” e que ficaria “muito espantado” se, depois de o documento estar assinado por “um Governo com legitimidade, em exercício das suas funções” e de o negócio ter sido “devidamente validado”, entre outras entidades, pela Comissão Europeia e pelo Tribunal de Contas, o PS voltasse atrás.
 
“Surpreende-nos muito que o PS, quando o país precisa de investimento externo, precisa de capital, lance sobre uma operação desta natureza esse clima de instabilidade que, naturalmente, não tem um impacte positivo na atractividade e na credibilidade do país como destino desses investimentos”, afirmou Luís Leite Ramos.

Falta de transparência, acusa PS
As declarações dos dois deputados surgem depois de PS, PCP e BE terem reagiado ao anúncio. A oposição está contra a privatização, acusa Governo de falta de transparência ao longo da operação, considera que a venda ainda não está finalizada e que ainda é possível travá-la. O PS voltou a garantir que, se for Governo, tentará reverter o processo e anunciou que vai pedir a presença do ministro da Economia no Parlamento, por considerar que não está esclarecido sobre o negócio.

“Quem tem interesse em fazer uma asneira, quem tem o poder para fazer essa asneira, normalmente acaba por fazer asneira, ainda que seja contra tudo e contra todos”, começou por comentar o coordenador da bancada socialista para a Economia, Rui Paulo Figueiredo.
 
A mensagem dos socialistas tem sido muito clara: “Para o PS, a privatização de 100% da TAP, ainda que a dois tempos é uma grande asneira, porque não tem em atenção aquilo que é o alinhamento necessário da TAP com os interesses estratégicos nacionais e, do nosso ponto de vista, também viola o interesse público”, disse Rui Paulo Figueiredo, criticando a “pressa” do Governo em relação a este negócio. 
 
Aos jornalistas, Rui Paulo Figueiredo voltou a lembrar a promessa dos socialistas: “Um governo liderado por António Costa, um governo do PS, tudo fará para que o Estado português continue a manter a maioria do capital social da TAP”, garantiu, apelando aos cidadãos para que retirem a Passos Coelho “o poder de continuar a fazer asneiras”. A posição do PS tem sido a de que o Estado deve manter 51% do capital social da TAP.
 
O PS não vai, por isso, baixar os braços, até porque, argumenta Rui Paulo Figueiredo, ainda é possível reverter o processo: “Hoje é só mais um passo, um passo provisório, ainda vamos ter um longo caminho. Em média estes processos costumam ser pelo menos de seis meses”, explicou.

O deputado acrescentou que a resolução aprovada prevê uma cláusula segundo a qual, “até à liquidação física das compras e vendas a realizar na venda directa de referência, no âmbito da oferta pública, o Conselho de Ministros pode suspender ou anular o processo de reprivatização da TAP” e que, “no caso de se verificar a suspensão ou termo do processo de reprivatização da TAP, não há lugar a qualquer indemnização ou compensação.”
 
Ora, se for governo, o PS “não hesitará em utilizar esta cláusula”: “Nós não hesitaremos em fazer reverter o negócio, se isso não estiver de acordo com o interesse nacional”, garantiu o socialista, considerando que o actual executivo não pode, por isso, agitar “papões” sobre indemnizações. “O processo conclui-se no final, não é agora, este é um momento intercalar”, defendeu.
 
Rui Paulo Figueiredo aproveitou a conferência de imprensa para anunciar também que o PS pediu uma audição urgente do ministro da Economia Pires de Lima no Parlamento, por considerar que este dossier “tem sido pautado por uma enorme falta de transparência”. Os socialistas alegam que não conhecem os documentos, mesmo
depois de terem mostrado disponibilidade para “assinar termos de confidencialidade”, e que, se não fosse pela comunicação social, de pouco saberiam. “Nós sempre estivemos disponíveis para o diálogo e para o compromisso, mas isso foi sempre sendo rejeitado pelo Governo”, explicou Rui Paulo Figueiredo. 

“Uma traição”
As reacções da oposição não se ficaram por aqui. Depois do PS, o deputado comunista Bruno Dias lamentou que o Governo tenha decidido vender o “maior exportador nacional” por “uma bagatela”. Para o comunista, trata-se de “uma decisão criminosa, uma traição do interesse nacional” que “revela bem ao serviço de que interesses está” o Governo.

Na conferência de imprensa que se seguiu ao Conselho de Ministros, a secretária de Estado do Tesouro adiantou que o consórcio ofereceu dez milhões de euros por 61% do capital da TAP. No entanto, o valor a pagar pelas restantes acções, que vão permanecer por agora nas mãos do Estado, pode chegar aos 140 milhões de euros. Além disso, a proposta prevê ainda cerca de 345 milhões de injecção de capital na companhia.
 
Bruno Dias voltou a defender, à semelhança do que já fez o secretário-geral do PCP Jerónimo de Sousa noutras ocasiões, que havia alternativas a esta solução, que tem sido sempre apresentada pelo Governo como a única para salvar a empresa. Quando no final de Maio apresentou os principais eixos do programa eleitoral, o PCP inscreveu a questão da TAP nessas prioridades: defendem “a recapitalização” da transportadora “por via do Estado e a garantia do controlo público da totalidade" da empresa.
 
“É mentira, ao contrário do que alguns afirmam, de que não havia alternativa. Havia e há. O PCP apresentou propostas concretas para salvar a companhia de bandeira e a maioria PSD/CDS e, já agora o PS, não disseram uma palavra e fugiram ao debate", criticou Bruno Dias.
 
Por isso, também o PCP não vai baixar os braços: “Isto não é o fim da história, não podemos dar o caso por arrumado”, afirmou o deputado, apelando aos portugueses para que também demonstrem a sua oposição a um negócio que “tem de ser cancelado e travado”. “O país e o povo português não podem dar-se ao luxo de atirar a toalha ao chão”, declarou, condenando ainda o facto de haver dinheiro para, por exemplo, salvar bancos e não para salvar a TAP. “Os recursos aparecerem facilmente e num instante quando se trata de salvar bancos e banqueiros”, disse, usando depois a ironia para lamentar que, por outro lado, seja “proibido mobilizar recursos para a defesa de um interesse estratégico como é a companhia aérea de bandeira”.

BE critica "cara de pau"
Os comunistas referem-se ao valor da venda como uma “bagatela”. O BE alinha na mesma crítica e entende que o que o Governo fez foi uma “entrega por valor simbólico” da companhia. Mas o ataque dos bloquistas vai mais longe. Para a deputada Mariana Mortágua, o primeiro-ministro precisa de ter “cara de pau” para se congratular com o negócio.

“O primeiro-ministro veio dizer que era preciso coragem para tomar esta decisão. Nós achamos que é preciso ter cara de pau para tomar esta decisão”, disse. E, além do valor, acrescentou uma outra razão: “É preciso cara de pau para apresentar isto como bom negócio e boa venda para o país quando nem se pode garantir que, daqui a mais de uma década ou 12 anos, continuaremos a ter a sede e as rotas estratégicas que permitem ligar Portugal às suas famílias.” Os novos donos da TAP garantem a sede e a direcção da TAP em Portugal e manutenção de rotas estratégicas, mas apenas por dez anos, segundo revelou nesta quinta-feira o secretário de Estado dos Transportes. 

O BE já requereu um debate de actualidade sobre a privatização da TAP para sexta-feira e a Mesa da Assembleia da República agendou-o para a manhã, no início da ordem de trabalhos.

Também o Livre/Tempo de Avançar, que vai concorrer às próximas eleições legislativas, já reagiu, através de um comunicado enviado à imprensa, no qual garante que “tudo fará para reverter” a venda. Criticam o facto de a TAP ter sido vendida por um preço baixo, “sem garantias e a três meses das eleições”.
 
“O governo acaba de anunciar a venda de 61% da TAP ao consórcio “Gateway” de David Neeleman e Humberto Pedrosa, por um total de cerca de 350 milhões de euros, dos quais apenas cerca de 10 milhões reverterão para o Estado português”, lê-se. Além disso, consideram que o "caderno de encargos, que o Governo insiste em apresentar como garante da defesa dos interesses dos portugueses, assegura pouco, uma vez que as ligações-chave actualmente efectuadas pela TAP são apenas garantidas durante dez anos”.
 

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