Sócrates usa arma do “sacrifício” para fazer um “protesto político”

“Peculiar” e “curioso” são os adjectivos cautelosos que politólogos e políticos usam para classificar a decisão de manter o ex-primeiro-ministro em prisão preventiva. Mas entre os socialistas, há quem não tenha dúvidas: quem sai prejudicado não são os políticos, nem o PS, é a Justiça.

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José Sócrates é acusado de ter conduzido Portugal à bancarrota Miguel Manso

Apesar das interrogações que o caso José Sócrates ainda suscita aos politólogos, há uma leitura que já se pode fazer da recusa do ex-primeiro-ministro de usar pulseira electrónica: “Uma das raras formas de protesto político que uma pessoa detida tem é a autonegação, é o sacrifício”, diz o politólogo Carlos Jalali.

Sócrates recusou sair da cadeia para ir para casa com pulseira electrónica. A proposta tinha sido do Ministério Público que acabaria, porém, por recuar nesta terça-feira. O procurador Rosário Teixeira considerou que a recusa inviabilizava a proposta e o juiz Carlos Alexandre manteve a prisão preventiva.

Para Jalali, é “uma situação curiosa”: “Parecia um facto adquirido que as medidas de coacção seriam menos gravosas e, afinal, mantêm-se.” O socialista Augusto Santos Silva, a quem todo o processo parece “muito peculiar”, insiste que “o único comentário” que faz é que, cerca de meio ano depois, “ainda” não há acusação.

Já o também socialista Vítor Ramalho, que nunca visitou Sócrates por não ser seu amigo íntimo, vê a decisão dos magistrados como um “absurdo total”, “absolutamente inaceitável”. “Não há outros meios, como pôr polícia à porta? É necessário humilhar desta maneira?”, questiona o socialista, para quem o PS não sai beliscado com o processo. “A Justiça é quem sai mais afectada disto tudo”, defende.

Para Jalali, ao recusar a pulseira e o “conforto” de casa, Sócrates foi consistente em relação à posição que sustentou desde início. O que o ex-primeiro-ministro está a fazer é “procurar manter a dimensão política” do caso, postura que não deverá abandonar: “Olhando para aquilo que tem sido o comportamento de José Sócrates, presumivelmente continuará também ele a marcar a agenda em relação à sua detenção. Recorre ao que tem à mão para fazer o seu protesto político. Sócrates nunca deixou de ser um político, de definir a agenda, de usar a comunicação. Continua a ser o animal político, essa faceta não desapareceu”, diz Jalali.

Augusto Santos Silva também não ficou surpreendido com a recusa de Sócrates: “É corajosa. O que estava na mão dele era aceitar ou recusar a pulseira. E ele usa essa única decisão para ser coerente com o que considera ser a injustiça da sua detenção.”

Vítor Ramalho até estranha que o Ministério Público, “em função das características de Sócrates, não tenha previsto” a recusa: “Desde a primeira altura, e conhecendo as características do engenheiro José Sócrates e a coragem inegável, que se previa isto ia dar mau resultado. Assistimos de fora à ideia que ele foi preso para forçar a investigação que já devia estar feita. O que ele está a dizer é que vai fazer tudo o que é possível para denunciar este estado de coisas”, diz o socialista para quem, ao usar “um direito” que lhe assiste – recusar a pulseira -, Sócrates “agiu muito bem” e como “poucas pessoas o fariam”.

Que implicações terão estes desenvolvimentos no cenário político, em ano de eleições legislativas, e no próprio PS? Para Vítor Ramalho, as consequências para o PS “não vão ser nenhumas”. Também Augusto Santos Silva defende que, para o PS, a decisão do juiz não tem quaisquer implicações: “Ao PS é indiferente.” Para o militante do PS, “o que interessa” a todos, e não apenas aos socialistas, é saber se vai ser produzida uma acusação.

Embora considerando que a estratégia mais eficiente para o PS é a que está ser usada pelo secretário-geral António Costa – que recusa comentar o caso -, Jalali entende que “é difícil” o partido “sair completamente ileso” deste processo. Mas a politóloga Marina Costa Lobo não tem dúvidas, a distância de Costa é atitude correcta, e não só para o PS: “É a estratégia correcta para o próprio sistema político.”

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