Baratas com chocolate, larvas crocantes? Fomos provar os snacks do futuro

A ONU disse em 2013 que são as proteínas do futuro, antecipando as necessidades nutricionais da crescente população mundial. Em Portugal, há quem esteja a investigar receitas com baratas, gafanhotos, grilos, larvas. Ao provador, resta esquecer por momentos que tem um insecto na boca.

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Bolachas de farinha de tenébrio, mais conhecido por bicho-da-farinha Daniel Rocha
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Larvas de zofobas para comer com molho picante Daniel Rocha
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Uma larva de zofobas a ser mergulhada no molho picante Daniel Rocha
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Larvas de zofobas para comer com molho picante Daniel Rocha
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Bolo de farinha de grilo com larvas de zofobas Daniel Rocha
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Canapés de queijo-creme com larvas de tenébrio Daniel Rocha

Estão embutidas em chocolate, escondidas, com longos paus transparentes de plástico para se poderem segurar, deitadas numa tábua de xisto. Disseram que era produção nacional. Cozinha gourmet, portanto. Ainda assim, deixámo-las para último. O salto cultural parecia demasiado grande. Afinal, estamos habituados a odiar as baratas. Ficamos enojados quando vemos um destes insectos a entrar numa sarjeta, acusamo-los de serem a origem e o fim de todas as doenças e, ofensa das ofensas, sabemos que conseguem sobreviver até a um holocausto nuclear. Ninguém nunca nos transmitiu a naturalidade de pôr uma barata na boca e considerá-la um alimento.

Estão embutidas em chocolate, escondidas, com longos paus transparentes de plástico para se poderem segurar, deitadas numa tábua de xisto. Disseram que era produção nacional. Cozinha gourmet, portanto. Ainda assim, deixámo-las para último. O salto cultural parecia demasiado grande. Afinal, estamos habituados a odiar as baratas. Ficamos enojados quando vemos um destes insectos a entrar numa sarjeta, acusamo-los de serem a origem e o fi m de todas as doenças e, ofensa das ofensas, sabemos que conseguem sobreviver até a um holocausto nuclear. Ninguém nunca nos transmitiu a naturalidade de pôr uma barata na boca e considerá-la um alimento.

Mas foi isso que acabámos por fazer ontem, no Museu Municipal de Loures, depois de já termos experimentado larvas crocantes molhadas em picante, bolos de farinha de grilo e, ainda, gafanhotos também envoltos em chocolate. A ocasião deveu-se à inauguração de uma exposição sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) no museu e nos jardins da Quinta do Conventinho, em Santo António dos Cavaleiros.

Os ODM são oito objectivos das Nações Unidas para o desenvolvimento mundial: a redução da pobreza extrema e da fome; o ensino primário universal; a promoção da igualdade de género e do poder das mulheres; a redução da mortalidade infantil; a promoção da saúde materna; o combate da sida, da malária e de outras doenças; a sustentabilidade ambiental; e a criação de uma parceria mundial para o desenvolvimento.

Estes objectivos tinham como meta 2015 e vão agora ser substituídos por 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, para cumprir até 2030. Dois deles, o fim da fome e a sustentabilidade da água, também estão presentes na exposição, organizada pelo Instituto Marquês de Valle Flôr, uma organização não-governamental para o desenvolvimento, num projecto chamado Museu Mundial, que quer promover a cidadania junto das pessoas e das escolas.

Foi neste contexto que, depois da visita às instalações, esperava à comitiva um pequeno banquete de degustação de insectos no claustro do convento do museu. Em 2013, a FAO (agência das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura) publicou o relatório Insectos comestíveis: perspectivas futuras para a segurança da alimentação humana e da alimentação animal.

No relatório, os insectos são vistos como uma fonte de proteínas para o futuro, tendo em conta o aumento estimado da população mundial para 9000 milhões de pessoas, em 2050 (hoje somos 7000 milhões). Segundo a FAO, existem pelo menos 2000 milhões de pessoas em todo o mundo que já se alimentam de insectos e há 1900 espécies que são usadas na alimentação humana, como besouros, escaravelhos, lagartas, abelhas, formigas e gafanhotos.

A produção destes bichos é benéfica para o ambiente, de acordo com o documento. Basta dois quilos de ração para se obter um quilo de carne de grilo, uma quantidade que é “12 vezes menor do que para as vacas, quatro vezes menor do que para as ovelhas, e metade da dos porcos e dos frangos de aviário”. Além disso, os insectos emitem “menos gases com efeito de estufa e menos amónia do que o gado bovino e os porcos”.

Estes argumentos terão ainda de se sobrepor a um acto visto pelos ocidentais como “nojento”, associado a um “comportamento primitivo”, diz a FAO. Mas para Patrícia Borges, que nos recebeu no claustro com os petiscos que confeccionou, é tudo uma questão de educação.

“O meu filho come insectos desde pequeno. Vê-me a cozinhar, para ele é normal e nem sequer questiona, não é preconceituoso”, diz ao PÚBLICO a investigadora e professora da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar do Instituto Politécnico de Leiria. “Habituando os nossos filhos a comer insectos, eles mais tarde vão habituar os filhos deles e acaba por ser uma coisa natural.”

A investigadora, licenciada em culinária, entrou no mundo da gastronomia dos insectos após ler o relatório da FAO. “Inicialmente apresentei os insectos cozinhados de uma forma natural”, conta. “Mas as pessoas não estavam muito abertas, por isso tentei introduzir a farinha.” Com a farinha pode-se fazer bolos ou pão.

À mesa, havia várias possibilidades para experimentar o mundo do sabor dos insectos. Além dos gafanhotos e das baratas-da-argentina com chocolate, havia ainda canapés de queijo-creme enfeitados com larvas de tenébrio (mais conhecido por bicho-da-farinha), bolachas de farinha de tenébrio, bolo de farinha de grilo com larvas de Zophobas morio (um coleóptero). Ou ainda as mesmas larvas de Zophobas (ou zofobas) mas simples, sem mais nada, apenas para mergulhar no tal molho picante. E que, diga-se, são bastante crocantes. Há quem considere que o sabor se assemelha ao dos torresmos.

E o sabor dos bolos e das bolachas não levantaria qualquer suspeita quanto ao seu conteúdo, se não tivessem larvas bem visíveis.

“As pessoas provam os insectos e dizem que são insípidos. Também concordo, o insecto absorve o sabor do ingrediente que se lhe quiser pôr”, explica a investigadora, que compra estes animais a produtores que fornecem o Jardim Zoológico e o Oceanário de Lisboa para alimentarem os seus répteis.

Na cozinha, Patrícia Borges tem de matar os insectos e depois fazer os pratos ou produzir a farinha. Um gafanhoto custa 22 cêntimos a unidade. Já as zofobas teve agora de as pagar a 50 euros por 250 gramas, por ter sido um pedido urgente para esta prova gastronómica. Geralmente, são mais baratas. Ainda assim, são pratos caros.

À espera de legislação

Segundo Patrícia Borges, enquanto não houver legislação europeia sobre alimentos à base de insectos, os restaurantes não se vão arriscar nesta nova aventura gastronómica. A legislação é um dos passos futuros que o relatório da FAO recomendava. Em Setembro, a Agência Europeia de Segurança Alimentar (AESA), que avalia a segurança dos alimentos na União Europeia, publicará um relatório sobre os insectos usados no consumo humano.

“Quando houver legislação, deverão surgir negócios de alimentos com insectos. No âmbito da farinha, acho que alguns restaurantes vão começar a introduzir alguns pratos. Ainda é muito cedo para termos um restaurante só a vender pratos com insectos”, considera a investigadora, explicando que o preço de produção ainda é muito alto. “Mas no período de um ou dois anos isso vai mudar, porque já se está a experimentar mais. E quanto mais se falar, mais a ideia se encaixa na cabeça das pessoas.”

Outro nicho importante é o do desporto. Por cada 100 gramas, um gafanhoto tem 153 quilocalorias, um grilo tem 122, o mesmo do que a carne de vaca. “Como os insectos têm um elevado nível de proteínas, seriam uma mais-valia para os produtos energéticos. Estamos aqui a falar de uma proteína natural, não é artificial”, sublinha.

Mais difícil será as pessoas adoptarem os insectos como um ingrediente na culinária caseira. Mas a investigadora acredita que, com o tempo, estes alimentos poderão entrar nos frigoríficos e nas despensas para as refeições. Não todos os dias, mas de vez em quando.

“Durante uma semana, numa refeição substitui-se [a carne] por insectos. Ou então comem-se snacks com insectos. Ou alguém que vai ao ginásio, em vez de comer uma barra de cereais, come uma barra com insectos ou com farinha de insecto”, sugere.

Mas deixa um alerta: não se deve apanhar insectos na rua, porque não se sabe o que eles comeram nem por onde andaram. De qualquer forma, não será isso que impedirá a existência desta nova oferta gastronómica: “No futuro, vamos encontrar insectos mortos à venda nos supermercados. Vai ter de acontecer, assim que sair a legislação. Há pessoas que estão prontas para arrancar com negócios.”

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