No filme de Yorgos Lanthimos ou acasalas ou viras lagosta

Os actores também não sabem do que trata The Lobster, de Yorgos Lanthimos. Mas tal como eles o espectador ficará “lanthimizado” e conseguirá sentir a história de amor desta história passada num hotel para as pessoas acasalarem.

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O actor Colin Farrell, a actriz Rachel Weisz, o realizador grego Yorgos Lanthimos, a actriz Ariane Labed, French actress Lea Seydoux, a actriz Angeliki Papoulia, o actor John C. Reilly e o actor Ben Whishaw AFP PHOTO / VALERY HACHE
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O realizador Yorgos Lanthimos na conferência de imprensa do folme The Lobster REUTERS/Regis Duvignau
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O actor John C. Reilly, a actriz Rachel Weisz, a actriz grega Angeliki Papoulia, a actriz francesa Ariane Labed, o realizador Yorgos Lanthimos e o actor Colin Farrell AFP PHOTO / ANNE-CHRISTINE POUJOULAT
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The Lobster dr
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The Lobster dr

Do grego que realiza "o género de filmes em que não se compreende tudo” - categoria que serviu de marketing aos programadores de Cannes quando anunciaram, nas escolhas na competição do festival, o nome de Yorgos Lanthimos -, um filme com um cast internacional e estapafúrdio que foi encerrado num hotel da Irlanda: vencedores de Óscares e de prémios em Cannes, actores do teatro grego (habitués do cinema do compatriota), um ex-rebelde irlandês ou um gigante secundário maior que muitos principais.

Yorgos Lanthimos, que há quatro anos se mudou para Londres para se preparar para a sua primeira experiência em língua inglesa com os actores que admira, juntou Rachel Weiz (The Constant Gardener), Léa Seydoux (A Vida de Adèle), Colin Farell, elementos da sua troupe, que com ele trabalharam nos anteriores Canino (2009, Premio Un Certain Regard) ou Alps (2011, Prémio do Argumento no Festival de Veneza), e John C. Reilly. Uma história num futuro distópico: quem não se conforma com as regras da cidade – ou seja, quem não arranja parceiro conjugal para a vida – é colocado num hotel durante 45 dias para uma segunda oportunidade (e aí não se pode masturbar); se mesmo assim falhar, pode, enfim, escolher ser transformado num animal da sua preferência e é lançado para o bosque.

Colin Farell falha, mas antes de ser transformado em lagosta, o animal que prefere, pela longevidade, porque podem viver 100 anos, e por causa do mar, prefere ser ele a decidir refugiar-se no bosque, antes que o atirem para lá. Onde vai descobrir os rebeldes Solitários, que interditam qualquer pulsão amorosa (mas é possível a masturbação).

Isto é The Lobster, argumento elogiadíssimo pelos actores, que ficaram sem o perceber inteiramente (“ainda hoje não sei se o percebo” – Farell). Mesmo se a “textura da solidão” humana (Farell de novo) é palpável, táctil. E a forma como se engendram formatos para conter as emoções. Ou será que inventamos as emoções para preencherem os formatos que criaram para nós?

Yorgos Lanthimos não se quer comprometer com respostas, o que é natural: vê-se que o filme nasceu de uma série de perguntas (e de situações) que foram sendo elencadas, imaginadas, sem querer fixá-las com explicações. The Lobster mantém então, dos filmes anteriores do grego, essa espécie de inventário dos comportamentos e das manobras mentais e emocionais que urdimos e que é sempre formulado, no entanto, com uma incessante sede de fuga às regras e de descoberta de novas formas de expressão.

O que é exaltante comprovar é que tendo mudado muita coisa à volta do realizador e das condições de trabalho (depois dos seus filmes na Grécia, quis experimentar outra coisa, outra velocidade, quebrar a claustrofobia), tendo o projecto sido criado e possibilitado pela desterritorialização (argumento escrito entre Atenas e Londres, rodagem na Irlanda, montagem entre a Grécia e Londres, misturas em Amesterdão), Lanthimos não só mantém todo o sentido do seu cinema como o expõe e experimenta com bastante humor na nova situação – o sentido de jogo, talvez por isso, é mais evidente aqui dos que nos outros filmes, até porque o filme concede em dar-se a ver com as vestes de um género, o do “filme distópico”. E, ainda decisivo, consegue congregar um cast de experiências e origens diferentes à volta de uma mesma energia de invenção: trabalhar com novos vocábulos, despir os actores das convenções narrativas que os ajudam a erguer personagens, uma espécie de minimalismo que levou Léa Seydoux a falar em Robert Bresson e que tem poderes sugestivos – por exemplo, o realizador consegue criar a ideia de futuro e de uma sociedade opressora sem construir cenários, apenas pela linguagem corporal dos actores numa cena de rua.

Vale a pena ouvir Rachel Weisz, que a propósito da experiência de high concept e low tech que foi, na sua opinião, rodar The Lobster (o realizador grego não gosta de perder tempo com as luzes no set, por exemplo, prefere aproveitar para trabalhar com os intérpretes), fala na “lanthimização” de toda a equipa: ficaram todos “hipnotizados” pela imaginação do realizador. E ficamos também nós, espectadores, “lanthimizados”. The Lobster vai-nos fornecendo as regras – que são outras - para aprendermos a lidar com ele e a falar com ele. É essa a descoberta que vamos sentido até, enfim, percebermos que esta doce crueldade é a da velha e melancólica história de amor.

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