Estudos sugerem eficácia das imagens chocantes nos maços de tabaco

Parlamento discute esta sexta-feira a proposta de lei do Governo com novas regras para travar o tabagismo.

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São estas as imagens de choque que vão começar a aparecer nos maços à venda em Portugal DR
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Quando o Congresso norte-americano adoptou, em 1965, uma lei a exigir mensagens de alerta nos maços de tabaco, ninguém imaginaria que, meio século depois, os fumadores levariam nos bolsos fotografias de caixões de crianças, pulmões cancerosos, dentes podres e membros mutilados. O que muitos perguntam agora é se tais imagens – que passarão a figurar nos maços em Portugal em 2016, caso seja aprovada uma proposta de lei esta sexta-feira na Assembleia da República – de facto funcionam para dissuadir os cidadãos de fumarem.

Não há uma mas dezenas de tentativas de respostas. A literatura científica sobre o efeito dos alertas de saúde nos pacotes de tabaco é vasta e aponta genericamente num sentido, o de que o que está na embalagem conta. “Isto é consensual”, afirma Miguel Narigão, do Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo.

Imagens chocantes a acompanhar alertas sobre os riscos do tabaco surgiram pela primeira vez no Canadá, em 2001. Dois anos depois, um estudo publicado na revista Tobacco Control, com base em inquéritos, revelou que a probabilidade de deixar de fumar ou de reduzir o número de cigarros consumidos era maior entre os fumadores que tinham lido os alertas junto com as imagens.

Mais recentemente, em 2013, um novo estudo de investigadores das universidades de Illinois (Estados Unidos) e Waterloo (Canadá) tentou ir além e responder à dúvida mais recorrente: se as imagens de facto afectam o número de fumadores. A análise sugere que a pioneira política canadiana tinha resultado numa queda de 2,87 a 4,68 pontos percentuais na prevalência do tabagismo entre os canadianos. E se a mesma medida tivesse sido adoptada nos Estados Unidos em 2012, dizem os investigadores, haveria 5,3 a 8,6 milhões de fumadores a menos naquele país no ano seguinte.

O estudo foi uma tentativa de resposta científica às razões que impediram a adopção de imagens de choque nos pacotes de cigarros nos Estados Unidos. A medida foi proposta em 2011 pelas autoridades de saúde do país, mas derrubada nos tribunais por acções intentadas pelas companhias tabaqueiras.

Muitos países, no entanto, seguiram o exemplo do Canadá. Em 2002, foi a vez do Brasil e até 2006 seguiram-se a Singapura, Tailândia, Venezuela, Jordânia, Austrália, Uruguai, Panamá, Bélgica e Chile. Hoje, há cerca de quatro dezenas de países onde a medida já foi adoptada. E até 2016, estará em vigor em todos os Estados-membros da União Europeia que ainda não a tenham implementado – incluindo Portugal.

A inclusão de imagens é uma das acções previstas na Convenção Quadro para o Controlo do Tabaco, da Organização Mundial de Saúde, adoptada em 2005.

Uma avaliação publicada no Boletim da Organização Mundial de Saúde em 2009 retirava dos estudos científicos até então realizados três conclusões centrais: as imagens eram mais notadas do que apenas as mensagens de texto, faziam os fumadores pensarem mais nos riscos para a saúde, e estimulavam uma motivação adicional para deixar de fumar.

“Embora qualquer alerta esteja sujeito a perder força com o tempo, as advertências com imagens têm demonstrado manter o seu efeito por mais tempo do que as mensagens apenas de texto”, acrescentam os autores desta avaliação.

A inclusão das imagens nos maços é mais um passo no cerco às embalagens do tabaco, que começou há 50 anos, nos Estados Unidos, com uma pequena mensagem de texto a dizer que fumar faz mal à saúde.

Em Portugal, este caminho teve início muito mais tarde, em 1983. A partir desta data, nos pacotes de cigarros passou-se a ler: “O Governo adverte que o uso do tabaco pode prejudicar a saúde”. Também foram incluídos os teores de alcatrão e nicotina, com a sua classificação como “baixo”, “médio” e “alto”.

Eram advertências modestas, quase imperceptíveis. A lei estipulava apenas que tinham de figurar em local “visível”, escritas em letras com corpo 6 ou 8 – ou seja, pequenas.

De lá para cá, as advertências foram-se tornando sucessivamente maiores. Hoje, ocupam 30% da frente dos maços e 40% da face de trás. Com a nova legislação, estes números subirão para 65% e as imagens de choque farão companhia às marcas de tabaco.

O objectivo é deliberado: tornar as embalagens desinteressantes e repulsivas, retirando-lhe o brilho que já tiveram. “Há um efeito logo evidente. É diferente olhar para um maço de tabaco e, em vez daquele glamour todo, ver algo que não causa nenhuma atracção”, diz Miguel Narigão. “Isto tem um impacto na compra por impulso”, completa.

O passo seguinte já está a ser dado por alguns países: a embalagem neutra, com as mesmas imagens fortes mas sem lugar para o logótipo da marca, mas apenas o nome, em letras brancas sobre um fundo com uma cor pouco apelativa.

A Austrália foi pioneira nesta medida, em 2012, e parece estar a ter sucesso, segundo um estudo publicado no ano passado por cientistas do Centro para Investigação Comportamental sobre o Cancro, de Melbourne. Entrevistas feitas durante o primeiro ano de vigência das embalagens neutras no país mostram que há mais fumadores que não gostam dos maços, que os acham pouco atraentes, que têm menos satisfação em fumar, e que sentem motivação para deixar o hábito. E há mais fumadores que evitam comprar maços que tenham determinadas imagens – um indicador de que a marca em si de facto está a contar menos.

Nem tudo foi já investigado pela ciência. Os estudos até agora realizados são mais qualitativos, avaliando a reacção dos fumadores e não-fumadores com base em inquéritos e grupos focais, do que quantitativos – contabilizando o efeito das imagens na prevalência do tabagismo.

E alguns levantam algumas dúvidas, com o de uma equipa de investigadores espanhóis que pediu a um grupo de voluntários que associasse as 35 imagens que devem ser usadas na UE até 2016 a outras que representam sensações desagradáveis ou agradáveis. O resultado mostra que, embora 83% das imagens tenham ficado do lado negativo, 17% foram associadas com figuras agradáveis e apenas quatro foram classificadas como extremamente perturbadoras. Além disso, as percepções eram diferentes, conforme a idade e o género dos voluntários. “A capacidade das imagens europeias em estimular atitudes negativas para reduzir o consumo de tabaco pode não se estender a toda a população, mas estar limitada a grupos-alvo específicos”, escrevem os investigadores das universidades das Ilhas Baleares e de Granada, no estudo publicado em 2011.

Miguel Narigão diz que as advertências em texto e imagens são necessárias e aponta para os resultados do Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoactivas, realizado em Portugal em 2012. “Só 50% das pessoas dizem que o tabaco faz mal à saúde”, afirma o especialista da Direcção-Geral de Saúde.

Outros dados: 17% dos inquiridos acreditam que o consumo de tabaco tem pouca ou nenhuma importância para a saúde e 4% dizem que fumar um ou mais maços por dia representa pouco ou nenhum risco. 

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