O que foi o NOS Primavera Sound até chegarmos aqui?

Na semana em que lançámos um olhar, através de uma playlist no canal Spotify do Ípsilon, ao que será a edição de 2015 no festival, olhamos também para o que ficou para trás. Três edições de NOS Primavera Sound revisitadas.

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Paulo Pimenta

Esta semana começámos a olhar para o que vai ser a quarta edição do NOS Primavera Sound, no Porto. Ou melhor, começámos a ouvir, lançando uma playlist no canal Spotify no Ípsilon, toda a variedade que, de Patti Smith a FKA Twigs, de Bruno Pernadas a Belle & Sebastian, da Banda do Mar a Foxygen, passará entre 4 e 6 de Junho pelo Parque da Cidade. Esta semana, olhamos também para trás, para o que nos trouxeram as três edições da extensão portuguesa do festival nascido no início do século XXI em Barcelona.

Tudo começou em 2012 e o acolhimento não poderia ter sido melhor. O verde do parque, “o minimalismo das formas no recinto, respeitando o enquadramento e do espaço, em vez da saturação comunicacional dos festivais semelhantes”, como escrevemos na altura, deixou a primeira óptima impressão.

Ali tínhamos um festival que estimulava a fruição sem o cansaço e a saturação provocada por filas e anúncios publicitários a mais. Depois, a música. Habilmente equilibrada entre a memória histórica da música popular urbana e as suas manifestações no momento, a primeira edição do NOS Primavera Sound tanto serviu para celebrar em conjunto o rock deliciosamente extravagante dos Flaming Lips como para confirmar que as canções dos Beach House se tinham tornado uma marca do seu tempo. “São o tipo de projecto que simboliza na perfeição o Primavera Sound: uma plataforma que impulsiona grupos pouco conhecidos e os vai amparando”, escrevemos na reportagem dedicada ao primeiro dia de festival.

Entre a descoberta do portento rock’n’roll que são os Thee Oh Sees, de São Francisco, o cativante equilíbrio R&B, hip hop e electrónica dos The Weeknd, a simplicidade dos Kings Of Convenience, o fenómeno The xx ou o concerto à chuva enquanto os Spiritualized tocavam num dos palcos principais, o NOS Primavera Sound mostrou-se um festival urbano singular: o público tanto aproveitava os encantos da cidade do Porto como via os concertos em ambiente verdejante e, nesse ambiente, descobria ou reencontrava alguma da música mais estimulante que o presente e um passado cuidadosamente seleccionado tinham para oferecer.

No ano seguinte, confirmou-se. Aumentou a curiosidade no exterior pelo cartaz e pelo Porto e multiplicaram-se os idiomas ouvidos no Parque da Cidade. A identidade manteve-se. O conforto oferecido pela recusa em sobrelotar o espaço (lotação fixada nos 25 mil espectadores) continuou confortável, o equilíbrio entre o presente e passado da história pop destacou-se no cartaz.

Foi em 2013 que vimos um Nick Cave e seus Bad Seeds, um e outros revigorados por um álbum magnífico, Push the Sky Away, darem um concerto memorável. Provocador, sanguíneo, Cave cantou sobre o público nas primeiras filas e foi pregador no palco enquanto Warren Ellis expurgava demónios da guitarra ou do violino. Foi também em 2013 que os My Bloody Valentine dividiram, entusiasmando e alienando em igual medida, e foi nessa edição do festival que um par de dezenas de milhar celebrou uma carreira e uma geração com a actuação em delicioso modo best-of dos regressados Blur (Magic Whip, editado este ano, ainda estava distante).

Tomando o pulso ao presente, porém, outros nomes se destacaram. James Blake conquistou, num concerto em que misturou “a faceta mais etérea, projectando vulnerabilidade com voz e instrumentação mínima, ao mesmo tempo que coloca maior dinamismo rítmico em alguns temas”, como relatámos então. As Savages, que se apresentavam no preciso em momento em que, álbum de estreia lançado, provocavam um tumulto de entusiasmo, foram destaque com uma intensidade de natureza diametralmente diversa da de Blake. “Podemos passar o tempo a evocar memórias para as enquadrar e no entanto elas são mesmo únicas”, escrevíamos no texto em que a actuação das Savages era destacada como tendo sido, “de longe, o concerto da noite”.

O ano passado, por sua vez, os lugares de destaque na programação abriram-se como nunca num festival que, apesar da sua diversidade, é habitualmente conotado com o rock independente. Foi em 2014 que Kendrick Lamar, então revelação hip hop recente, culpa de Good Kid M.A.A.D. City, subiu ao palco principal para um concerto memorável e acolhido pelo público com entusiasmo e devoção.

Nesse ano, Caetano Veloso conquistou canção a canção, palavra a palavra, o público que pudesse vê-lo como ser deslocado naquele contexto. E Charles Bradley, o soul man descoberto já sexagenário, ofereceu ao público uma lição de groove, sageza e amor à música como é raro ver-se. Os Pixies foram os Pixies, os Pond, banda paralela aos Tame Impala, provaram que há algo de especial no ar e na água de Perth, na Austrália, e Ty Segall seguiu percurso a caminho da entronização como príncipe do rock’n’roll desalinhado de São Francisco (o rei é, naturalmente, o seu amigo John Dwyer, dos Thee Oh Sees)

O Parque da Cidade continuou a ser ponto de encontro de uma comunidade melómana que fala a mesma língua, independentemente do país de nascimento, e o prazer de caminhar pela ampla zona verde não diminuiu. As filas continuaram virtualmente inexistentes, excepção feita às delícias gastronómicas oferecidas pelas casas portuenses representadas no local (as bifanas picantes da Conga e as sandes de pernil da Casa Guedes estiveram sempre muito concorridas).

Para os repetentes, o NOS Primavera Sound já não era uma surpresa, era uma casa hospitaleira a que se regressa, ano após ano. Já lhes conhecemos os recantos, mas haverá sempre surpresas para descobrir. Assim o dita a música em cartaz. Este ano, dificilmente será diferente.

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