Da criação em tempo real

Quinto álbum de um quarteto em permanente processo de evolução, desta vez totalmente dedicado à criação de estruturas em tempo real.

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Rich Halley confirma-se como uma das figuras mais independentes do jazz actual DR

O saxofonista norte-americano Rich Halley é o que poderíamos chamar de perpétuo “segredo bem guardado do jazz”. Tendo em conta uma notável discografia que se estende ao ano de 1983, as razões para essa falta de visibilidade poderão estar no facto de Halley ter a sua base em Portland, Oregon, viajando raramente para fora do estado. Outra das razões será provavelmente o facto de, apesar de ter já mais de uma dezena e meia de álbuns editados em nome próprio, Halley continuar a privilegiar a continuidade na escolha dos músicos com quem colabora. Se, por um lado, isto lhe permite trazer para a sua música uma consistência pouco habitual no jazz actual, por outro, permite-lhe também trabalhar com foco e profundidade factores de comunicação e empatia tão essenciais para uma música como a sua — um free-bop com bases profundas na tradição e uma fortíssima componente improvisada. Rítmicamente exuberante, plena de swing e melodias assertivas e bem definidas, na sua música são evocadas as obras de Sonny Rollins (a influência mais marcante), Archie Shepp, Ornette Coleman ou ainda alguns dos saxofonistas texanos que, tal como Halley, fazem parte de uma linhagem nobre do saxofone no jazz. 

Se em registos anteriores como Back from BeyondCrossing the Passes ou o mais recente, e muito recomendável, The Wisdom of Rocks, a improvisação tinha quase sempre por base composições escritas, as quais eram depois exploradas e desconstruídas com garra e imaginação, neste Creating Structure Halley opta pela primeira vez por registar exclusivamente temas totalmente improvisados. Acompanhado pelo seu habitual quarteto, com Michael Vlatkovich no trombone e na percussão, Clyde Reed no contrabaixo e o seu filho, Carson Halley, na bateria — verdadeira working band que se mantém em actividade desde 2010 —, Halley regista uma obra fascinante, pela extrema empatia transmitida pelo grupo e pela consistência invulgar de todas as improvisações, afirmando-se cada uma delas como uma composição em tempo real, com forma, dinâmica e personalidade próprias. Marcados por uma tonalidade pós-bop, alguns dos temas aproximam-se do free jazz ou da rítmica exuberante que podemos encontrar nas marching bands norte americanas, regressando depois invariavelmente aos blues e a esse mesmo bop. Continuando a ignorar as regras da indústria e adoptando métodos DIY para toda a sua actividade, Rich Halley continua a construir um dos percursos mais interessantes e independentes do jazz actual.

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