Bons sentimentos

No quinto álbum dos Godspeed You! Black Emperor, a música de protesto compromete aqueles que (a) ouvem.

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Os Godspeed You! Black Emperor vão-nos deixando uma discografia que compromete todos os que a encontram

Foi-se a admiração de alguns jornalistas e críticos, arrefeceu o entusiasmo de muitos melómanos. Partiram os “veteranos” Bruce Cawdron, Norsola Johnson e Roger-Tellier Craig e, provavelmente, já não regressam. Mas escutado “Asunder, Sweet And Other Distress”, o quinto álbum de estúdio dos Godspeed You! Black Emperor, uma conclusão parece óbvia. A vida para a banda canadiana continua partilhada com os outros, apesar dos obstáculos, das contrariedades. Em termos estritamente musicais, a mesma constância. Guitarras de sopro épico, violinos, composições simples, ausência de voz e texto (só se lêem os títulos dos temas) e, portanto, de literatura. Mesmo quando se escutam pequenas variações, elas convergem todas para o mesmo fim: a criação de sinfonias que querem negar a hipocrisia que o dinheiro naturalizou. Eis uma explicação plausível para os epítetos (estrondosos) que os GY!BE ainda arrancam. “Música transformada em sentimentos”, “rock instrumental revolucionário”, “guerra sónica”. Há, até, quem veja no grupo a vanguarda de uma revolução espiritual que a música há-de trazer. Não vale a pena contrariar estas e outras leituras, nem procurar confirmar se a negação anunciada existe de facto. 

Para todos os efeitos, os GY!BE pertencem à história da música popular, retomam caminhos que outros abandonaram. Em Lambs’ Breath abeiram-se dos Velvet Undergound de White Light,/White Heat e dos Sonic Youth de Bad Moon Rising. No exaltante tema de abertura, electrificam a folk com a ajuda de Glenn Branca e reinventam a paisagem de Paris Texas, resgatando, pelo caminho, Travis Henderson. A violência atravessa a faixa final, Piss Crowns are Trebled, com os violinos de Sophie Trudeau a despertarem a melodia que, mais à frente, ameaçará desaparecer sob o ritmo marcial das baterias e do feedback.

Com 40 minutos, Asunder, Sweet And Other Distress é um longo tema, uma banda sonora para tempos confusos, onde cabem o desespero, a raiva, a bondade, a alegria e o medo. Não há ironia aqui, nem inovação, nem sequer grande criatividade. Apenas uma orquestra que Efrim Menuck conduz com a confiança dos desiludidos. A música dos GY!BE não mudará o mundo, mas o seu protesto, a sua recusa em aceitar a realidade que o capitalismo constrói, é legítima e comovente. Não se faz com propaganda, com proselitismo, mas com os bons sentimentos que a habitam e guiam. E, discretamente, o colectivo canadiano vai-nos deixando uma discografia que compromete todos aqueles que a encontram.

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