Em Bergen, falou-se do futuro com uma imagem do passado

Um acordo entre Portugal e a Noruega vai permitir a partilha de navios de pesquisa oceonográfica. Mas o teimoso bacalhau não quis ficar fora da fotografia.

Cavaco Silva estava no cockpit do avião da TAP quando se iniciou a descida para Bergen. Viu, ao lado do comandante, a paisagem nevada das montanhas mudar para uma rede de braços de mar, os fiordes. É neste labirinto natural de rias, onde os vikings fundaram povoações, que agora se desenvolve uma das indústrias mais cobiçadas da Noruega: a aquacultura.

O Presidente pôde ver os viveiros, rectangulares, do ar, à medida que o avião se aproximava da cidade em cujo porto, Bryggen, se deram as primeiras trocas comerciais em larga escala entre portugueses e noruegueses. O famoso bacalhau da Noruega, que Cavaco tem de segurar, seco e salgado, para a fotografia, pela terceira vez na sua vida de representante. A primeira foi em Ålesund, em 1980, a segunda foi em Ílhavo, e a terceira agora mesmo, nesta terça-feira, 5 de Maio de 2015, em Bergen. Desta vez, não estava no programa.

Cavaco veio à Noruega para falar do futuro, mas o passado apanhou-o desprevenido. A ministra norueguesa que tem a tutela dos assuntos do mar, Elisabeth Aspaker, ameaçou primeiro - “Seria errado não servir bacalhau nesta ocasião” - e depois fez entrar na sala, onde o Presidente português assistira à assinatura de um memorando de entendimento entre dois institutos públicos, o enorme bacalhau “asa branca”, e fê-lo chegar às mãos do chefe de Estado português que nada mais pôde fazer do que abrir a boca de espanto. Cavaco segurou o bacalhau, mas raramente o mencionou nos seus discursos. Preferiu falar da aquacultura, e da cooperação entre os empreendedores vendedores de bacalhau da Noruega e os portugueses que, para o Presidente, precisam de uma “renovada ligação” ao mar.

No programa, explicaria Cavaco, mais tarde, aos jornalistas que acompanham esta visita oficial de quatro dias à Noruega, estava uma ideia de futuro bem diferente: “Identificámos como alvos a investigação, a biotecnologia marinha e a fileira do pescado.” Por isso, acompanharam a visita 30 cientistas e 20 “empresários da biotecnologia do mar”. Era essa a razão de ser da cerimónia - mais uma - no moderno Centro de Recursos Marinhos de Bergen, mesmo em frente ao velho porto de Bryggen, por onde passaram, segundo a ministra norueguesa, para usar um eufemismo, “possivelmente, mais do que umas poucas garrafas de vinho do Porto”.

O Instituto do Mar e da Atmosfera e o seu congénere norueguês assinaram um acordo que prevê, entre outras coisas, a partilha de navios para a exploração oceanográfica. Já antes, durante um dia inteiro, a FCT e o conselho para a investigação científica de Oslo tinham passado um dia inteiro a debater contornos, igualmente concretos, de cooperação.

Cavaco “deu a bênção”, como disse a ministra Assunção Cristas, a estes encontros e acordos. Até no difícil sector da energia, com quem o Presidente passou uma parte da manhã, num encontro fechado entre os gigantes dos dois países (Galp Energia, REN, Partex, entre outros, do lado português), houve progressos, avalia:  “Fiquei com a impressão de que é possível uma cooperação, também pensando em países terceiros. Na Noruega reconhecem a competência mas também a capacidade que temos de entrar em países da lusofonia.”

A Noruega tem dinheiro. Isso é evidente em tudo. Desde a recuperação meticulosa das casas de madeira do porto de Briggen (cujas traves têm de ser aparadas a machado para manter o aspecto original) à impensável aplicação de telemóvel que conta os euros gastos (ou raramente perdidos) pelo fundo soberano que valia, ontem, 850 mil milhões de euros (qualquer coisa como 11 resgates da troika, ou mais de três dívidas públicas nacionais). Não é certo, ainda, que o queira gastar numa estratégia comum, como a que defendeu Cavaco Silva, de “crescimento e emprego” baseado na tal “economia azul”.

Mas esse não era o único objectivo desta visita, explicou o Presidente. O principal será garantir “a irreversibilidade da agenda do mar”. Com ministério próprio, frisou. A actual titular da pasta, Assunção Cristas, encontrou uma formulação para estes dias na Noruega: “Exemplo de diplomacia científica.”

Cavaco acredita que PIB vai crescer mais do que as previsões

Numa curta intervenção, ainda em Oslo, o Presidente da República, falando em inglês, traçou um retrato optimista da economia portuguesa. O Presidente prevê o crescimento de 1,7%, em linha com o Banco de Portugal. O Governo prevê uma décima abaixo, 1,6%, tal com a Comissão Europeia. "O défice orçamental está sob controlo e o desemprego está a cair. As exportações estão a crescer continuamente e o investimento privado está a recuperar", enumerou Cavaco Silva, na manhã de terça.

À tarde, já em Bergen explicou a razão de ser destes números. Desde logo por que “baixara” a sua própria previsão, feita em Paris, na OCDE, de 2% de crescimento do PIB. "Quando faço discursos oficiais, menciono as previsões oficiais." Porém, “cada vez há mais economistas a dizer que Portugal pode registar em 2015 uma taxa de crescimento de 2%.” Quanto ao défice, que o comissário Pierre Moscovici, pusera em causa esta mesma manhã, o Presidente reage assim: "A previsão oficial é de 2,7% e eu não comento aquilo que as instituições europeias possam dizer em relação a esse objectivo. Estamos apenas no início do segundo trimestre, vamos aguardar pelos resultados que surgirão mais para o fim."

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