Observatório propõe “via verde” para reduzir mortes por pneumonia

Mortes por pneumonia em Portugal aumentaram 50% em 15 anos, com um total de 5935 óbitos em 2013. Relatório apela a acesso mais fácil tanto aos médicos de família como aos especialistas e considera que a legionella foi um exemplo de que é possível tratar bem a doença.

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Em muitos casos os doentes chegam ao hospital demasiado tarde Fernando Veludo

As doenças respiratórias foram responsáveis por 13% do total de mortes em Portugal em 2013, um valor que cresceu 30% nos últimos 15 anos. Do cancro do pulmão à doença pulmonar obstrutiva crónica, os especialistas consideram que há vários indicadores preocupantes, mas com destaque para uma doença em particular: a pneumonia. Nos mesmos 15 anos, as mortes apenas por esta doença dispararam mais de 50%, de 3886 em 1998, para 5935 em 2013. “Provavelmente o doente com pneumonia não está a ser referenciado no momento ideal”, resume o pneumologista e presidente do Observatório Nacional das Doenças Respiratórias (ONDR), Artur Teles de Araújo, que sugere a criação de uma “via verde” para o tratamento desta doença.

Os dados fazem parte do relatório de 2014 do ONDR, apresentado nesta segunda-feira em Lisboa, e que aponta para um total de 13 mil óbitos por pneumonia, cancro, asma, tuberculose e doença pulmonar obstrutiva crónica em 2013 em Portugal. O valor ultrapassa os 17 mil óbitos quando se incluem outras doenças respiratórias, como a fibrose pulmonar ou a gripe. Além da pneumonia, o segundo maior aumento em termos de mortalidade registou-se nos tumores malignos da traqueia, brônquios e pulmão, que subiram para 4336 óbitos. Teles de Araújo, que é também presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão, destaca que num país onde apesar de tudo não há tanta poluição nem fumadores como noutros locais, este peso só pode ser atribuído ao diagnóstico tardio.

O médico defende, ainda, que faltam mais campanhas públicas contra o tabaco e destaca um contra-senso: entre 2009 e 2013 o número de locais com consultas dedicadas à cessação tabágica caiu para metade. Mesmo assim, a quebra no número de consultas foi mais modesta, com um total de mais de 21.500 em 2013 contra as quase 26 mil em 2009. “Uma pessoa que quer deixar de fumar tem de ser atendida na hora, não pode esperar seis meses”, completa o também pneumologista e membro do ONDR António Carvalheira Santos, que alerta para o facto de faltar uma abordagem multidisciplinar nestas consultas e que critica o facto de a nova lei do tabaco ter abandonado a ideia de comparticipar os medicamentos que ajudam a deixar de fumar.

Ainda sobre a pneumonia, Artur Teles de Araújo destaca que Portugal tem 150 mil casos da doença por ano e que os internamentos por esta doença subiram mais de 20% na última década. Em 20% dos casos as mortes acontecem nos hospitais. “A pneumonia é a principal causa de internamento por doença respiratória e é um problema que merecia uma atenção particular”, sublinha, acrescentando que “há algum atraso no diagnóstico das pneumonias e em chegarem aos centros onde podem ser tratadas”. O médico adianta que um estudo que está a ser feito em parceria com a Universidade do Minho permite perceber que muitas das mortes por pneumonia que ocorrem durante os internamentos são registadas logo nas primeiras horas ou dias “o que mostra que provavelmente o doente não foi referenciado no momento ideal”.

Mesmo em termos de mortalidade, Teles de Araújo considera que há muito por explicar, até porque não é onde existem mais casos que morrem mais pessoas. Para o pneumologista, a experiência das pneumonias por legionella que surgiram com o surto de 2014 de Vila Franca de Xira é uma “óptima lição” de como “uma resposta adequada e bem feita deu resultados imediatos” e permitiu ter uma “baixa mortalidade”. A par de uma “via verde” para que os doentes acedam em tempo útil aos serviços de saúde e recebam o tratamento adequado, António Carvalheira Santos aponta a importância da aposta na vertente da prevenção, nomeadamente incluindo a vacina contra a pneumonia, conhecida como Prevenar, no Plano Nacional de Vacinação.

O especialista destaca também que é preciso tratar melhor quem já está doente, nomeadamente garantindo o acesso dos doentes crónicos, com patologias como a doença pulmonar obstrutiva crónica, aos chamados tratamentos de reabilitação respiratória, que além de permitirem controlar a doença e educar os seus portadores, ajudam a recuperar as capacidades necessárias para realizar as actividades do dia-a-dia. Em Portugal só 1% dos doentes tem acesso a estes tratamentos, quando na Holanda o número ultrapassa os 70%. Apostas que considera serem difíceis em tempos de crise, com menos profissionais e menos recursos, que admite estarem a ter influência até no número de exames complementares que os clínicos podem pedir.

Algumas conclusões semelhantes sobre a pneumonia já tinham sido avançadas em Dezembro, altura em que foi divulgado o relatório Portugal - Doenças Respiratórias em Números 2014. O documento do Programa Nacional para as Doenças Respiratórias da Direcção-Geral da Saúde indicava que Portugal tem a taxa de mortalidade por pneumonia mais elevada no conjunto dos países da União Europeia (UE) e, no contexto das doenças respiratórias em geral, só o Reino Unido nos suplanta na proporção de óbitos. Ainda no que se refere à mortalidade, os autores do relatório da Direcção-Geral da Saúde assinalaram, como já tinham feito em 2013, as assimetrias regionais, com as regiões autónomas da Madeira e dos Açores a destacar-se pela negativa e a região de Lisboa pela positiva.

Já em Janeiro, um novo documento do Programa Nacional para as Doenças Respiratórias alertava que os cuidados de saúde primários não têm conseguido controlar, por exemplo, os doentes com asma, levando a que muitos casos cheguem aos hospitais em situações que exigem já internamento. Para reverter a situação, os responsáveis pelo programa consideravam que é preciso aumentar o acesso aos centros de saúde e incentivar a vacinação contra a gripe.

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