Preciosas “jazzidas”

Há quem diga “jáze” e quem diga “jéze” (isto já para não falar no “jáiss” brasileiro), mas para o caso pouco importa. O que importa é que, em Portugal, o jazz já leva décadas de história e, não tarda, estará a completar um século. Longe de apelar a comemorações, sem dúvida merecidas, o que é de assinalar é que essa história (interessante e rica) tem vindo a ser “contada”, ao longo dos anos, em múltiplos escritos e programas, dos jornais e revistas à rádio e à televisão (e agora na Internet), mas só nos anos 2000 é que se acelerou a sua fixação em livros. Quer isto dizer que aos livros antes escritos por José Duarte (como João na Terra do Jaze, 1981; ou Jazzé e Outras Músicas, 1994) vieram juntar-se mais escritos sistematizadores, do mesmo autor (como Jazz, Escute e Olhe – Portugal 1971-2000, editado em 2001) ou de outros, como António Curvelo (Notas (muito incompletas) sobre o Jazz em Portugal. Da pré-história aos tempos modernos, publicado no primeiro dos três volumes de Panorama da Cultura Portuguesa no Séc. XX, 2002), Hélder Bruno de Jesus Redes Martins (Jazz em Portugal (1920-1956), tese de mestrado adaptada a livro em 2006) e, particularmente, João Moreira dos Santos, que nos últimos anos tem vindo a editar uma série de livros de carácter historiográfico: Duarte Mendonça, 30 Anos de Jazz em Portugal (1974-2004), 2005; O Jazz Segundo Villas-Boas, 2007; Roteiro do Jazz na Lisboa dos Anos 20-50, 2012; Jazz em Cascais, Uma História com 80 anos, 2009; Cascais Jazz, 40 Anos de Um Festival Mítico (um opúsculo com DVD), 2011; ou Josephine Baker em Portugal (também com DVD), 2011. A lista pecará, decerto, por defeito.

Mas se a história do jazz que por cá se fez, ou mostrou, começa a ter uma mais sólida coluna vertebral escrita, em Janeiro de 2014 começaram a ser gravadas (não escritas) e vividas (porque mostradas ao vivo, em conversas e concertos a elas alusivos) Histórias do Jazz em Portugal a partir das experiências de 16 músicos contemporâneos e com a participação de 65 músicos e 11 escolas de jazz nacionais. O ciclo, criado e dirigido por António Curvelo (crítico) e Manuel Jorge Veloso (crítico e, como músico nos anos 60, co-fundador do Quarteto do HCP), começou com Mário Laginha e prosseguiu com Zé Eduardo, Mário Barreiros, Jorge Reis, Carlos Barretto, Bernardo Moreira, Maria João, Carlos Azevedo, André Fernandes, João Paulo Esteves da Silva, Carlos Bica, José Pedro Coelho, Gonçalo Moreira, Nélson Cascais e André Sousa Machado. Isto sempre em sessões duplas, mensais.

Nos próximos dias 5 e 6 de Maio o ciclo tem as suas sessões finais no espaço do Hot Clube de Portugal, em Lisboa (as sessões foram divididas, até aqui, entre este e o Centro Cultural Vila Flor, de Guimarães), primeiro com uma conversa com Pedro Moreira, último convidado desta maratona histórica, seguida de um concerto pelo Combo da Escola de Jazz Luiz Villas-Boas, de Lisboa (pode-se assistir gratuitamente a toda a sessão); no segundo dia, a conversa alarga-se: António Curvelo e Manuel Jorge Veloso trocarão palavras e ideias com os músicos Afonso Pais, António José Barros Veloso e Ricardo Toscano, havendo em seguida (aqui a entrada já é paga, 5 euros) um concerto “carta branca” dirigido por Pedro Moreira. Fala-se do passado, naturalmente, mas sobretudo do presente e do futuro, que nesta área vai vivendo entre (boas) revelações e (eternos) paradoxos. O que fica destas conversas e concertos é uma valiosa herança em matéria de testemunhos, uma preciosa “jazzida” musical.

Quem não frequentou as sessões anteriores, ao menos não falhe esta. Talvez estas palavras de Pedro Moreira, o convidado destas noites, ajudem (ele escreveu-as no blog música nas esferas e o livrinho do ciclo reprodu-las, a fechar): “A música atravessa uma fase interessante. Nunca na história houve tanta divulgação e sucesso comercial como hoje. Nunca houve tantas pessoas a ouvir e a consumir música. Nunca houve tantos músicos, profissionais e amadores. E no entanto nunca foi tão desvalorizada, nem a consciência da sua importância foi tão apagada como agora. Ouvimos música em restaurantes, cafés, e até bombas de gasolina, mas não existem discussões sérias em roda da música, da sua estética, da sua educação. Tornámo-nos indiferentes à música.” Não querem romper a indiferença e juntar-se à conversa?

Sugerir correcção
Comentar