"Isto não é um museu. É uma ideia"

O mapa da arte em Nova Iorque tem uma nova atracção. O Museu Whitney de Arte Americana regressa ao bairro de origem, chamando a si uma missão que parecia esquecida: questionar o que é a arte americana, o papel dos museus e dos artistas, o lugar das colecções permanentes e o modo de ver uma obra no século XXI.

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O novo edifício foi desenhado pelo arquitecto italiano Renzo Piano
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Vista para o rio Hudson
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Vista de um dos terraços
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Janelas do museu
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Os jardins suspensos High Line
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Os terraços do museu
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Vista do interior
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Vista para os jardins suspensos High Line
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Terraço das esculturas, com o novo World Trade Center a dominar a paisagem a sul
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O arquitecto Renzo Piano
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As janelas com vista para o rio Hudson
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O novo Museu Whitney de Arte Americana abre esta sexta-feira com uma grande pergunta implícita: o que é a arte americana?

O edifício de oito pisos à beira do rio Hudson, projectado pelo arquitecto italiano Renzo Piano (Génova, 1937), custou cerca de 385 milhões de euros, tem 20 mil metros quadrados, um espaço de exposição de 4600 metros quadrados — o dobro do anterior — e vai ser a nova casa de uma colecção com 21 mil peças de três mil artistas representativa da arte moderna e contemporânea na América. “O Whitney não é um edifício, é uma ideia”, declarou recentemente Donna de Salvo, curadora e directora do museu. E a ideia que este novo Whitney quer passar é de uma interrogação permanente e pouco conformada sobre o que é a arte americana.

Situado no número 99 da Gansevort Street, no Meatpacking District, o museu tem tudo para ser um dos novos protagonistas da cidade de Nova Iorque. É um bloco assimétrico, e segundo os seus criadores, concebido para reflectir o carácter industrial do núcleo urbanístico onde se insere. Cheio de ângulos, terraços com vistas abertas para a cidade, janelas amplas, aço e vidro que se iluminam na luz de fim de tarde, transformando-se num espelho dourado visto desde o rio Hudson, é, à mesma hora, um jogo de sombras olhado a partir da Washington Street, no lugar onde o High Line — o famoso jardim suspenso criado numa antiga via férrea — termina a sua descida até ao West Village. Foi justamente em Gansevoort Street, naquele ponto um estreito corredor de luz vinda do rio, que Renzo Piano colocou a porta de entrada do museu, criando uma espécie de praça ao estilo mediterrânico que amplia o espaço e confere ao conjunto a ilusão de pequena escala, de acolhimento.

No interior, há seis pisos de exposição, alicerçados por uma coluna de elevadores, quatro terraços, salas para performances e projecções, uma biblioteca, salas de leitura, uma oficina de restauro, café e a possibilidade de transformar grandes espaços abertos em pequenas galerias mais intimistas. Toda a luz que entra agora e ilumina o ambiente da grande exposição pode ser trabalhada e essa versatilidade é uma das grandes jogadas da ideia de espaço tal como a concebeu aqui Renzo Piano.

São sete da tarde, faltam três dias para a inauguração oficial, mas há carros a estacionar, seguranças a abrir portas, há visitantes nesta que é a quarta morada do museu e que marca o regresso do Whitney à Baixa da cidade depois de 49 anos no Upper East Side, no Breuer Building, da Madison Avenue, brevemente um novo pólo do Metropolitan Museum of Art. É a primeira vez em quase 50 anos que se assiste a uma mudança de casa de um dos quatro grandes museus de Nova Iorque — “o poderoso Met, o estrelado Modern [MoMA] e o vulgar Gugghenhein”, para citar o crítico da New Yorker Peter Schjeldahl, numa ironia maldosa, mas indicativa da crítica que atravessa algumas opções programáticas do grande quarteto de Manhattan. A última vez aconteceu em 1966, quando precisamente o Whitney deixou as instalações na rua 54 para se instalar na Madison.

A abertura oficial tem sido antecedida de festas e eventos de apresentação do espaço à imprensa. Cartazes espalhados pela cidade, publicidade na televisão e nos grandes jornais nacionais anunciam o dia 1 de Maio como um dia fronteira. Há um antes e depois do Whitney, de Renzo Piano, uma opção estética e geográfica e temporal marcada por várias simbologias, um sinal da América contemporânea num momento em que o modo como se olha a arte é muito diferente da forma como era vista no século XX, o século em que o Whitney nasceu. Concebido como um laboratório de artistas, o edifício quer materializar essa diferença de perspectiva, inaugurando com uma exposição também ela simbólica que quer examinar essa mudança. America is Hard to See, assim se intitula a mostra escolhida para abrir o museu, pretende reflectir sobre a essência da arte americana, ao mesmo tempo que lança o debate sobre a missão do próprio museu.

A missão Whitney
Fundado em 1930 por iniciativa de Gertrude Vanderbilt Whitney para revelar artistas que viviam à margem dos grandes museus dos Estados Unidos, o Whitney nasceu no West Village para albergar os trabalhos que a senhora Whitney ia comprando. Em 1929, ela doou a colecção — na altura já com mais de 500 obras de artistas como Georgia O’Keefe, John Sloan ou Stuart Davis — ao Met que recusou a oferta. Decidiu então criar um museu dedicado apenas a artistas americanos, em especial artistas americanos vivos, e abriu as portas em 1931, na oitava rua, oeste. Ao longo do século XX, por necessidades de espaço, o museu subiu na cidade para voltar agora a estar muito perto dessa origem boémia, actualmente a ser promovida para atrair as classes mais ricas que estão a fazer um movimento idêntico ao do museu, à medida que a Baixa da cidade se vai renovando.

Essa panorâmica é visível a partir do terraço no último piso, com o novo World Trade Center a dominar a paisagem a sul e, a oeste, o cais aonde chegaram os sobreviventes do Titanic em 1906, um evento ao qual Renzo Piano não terá sido alheio quando deu ao edifício uma forma que se assemelha à de um barco. A arte não é separável do lugar onde se insere, parecem querer dizer os responsáveis pelo Whitney que o promovem à imagem de uma América em permanente mutação.

Há motivos suficientes para que, visto apenas de fora, o edifício seja por si só um espectáculo, ou acontecimento mediático e turístico. O seu autor é um arquitecto premiado, vencedor do Pritzker em 2008, que quis conjugar as raízes do Whitney com o espaço aberto junto ao rio. “A experiência do museu é sobre arte, mas é também sobre a ligação com esta comunidade da Baixa e o fabuloso cenário envolvente”, lê-se num comunicado distribuído à imprensa que cita ao arquitecto. Mas há quem tema que seja mais uma atracção vazia quando se fala em arte e no modo como ela é fruída.

Desde que começou a ser construído, em 2005, que muitos críticos e personalidades ligadas ao mundo das artes plásticas se interrogam sobre um dos pontos que, também no caso Whitney, consideram essencial: então e a colecção permanente? É uma interrogação que surge numa altura em que se questiona também a função dos museus, sobretudo os de arte contemporânea, que cada vez mais parecem substituir-se às galerias, como espaços de promoção em vez de “consagração”, que privilegiam o imediato e o espectáculo e de que o MoMA tem sido apresentado como exemplo, com exposições que têm merecido a vaia da crítica, como a de Björk, inaugurada em Março deste ano, ou a de Tim Burton, em 2009. Cedências ao dinheiro imediato, acusam, e uma tendência para a uniformização do gosto, com os museus a competirem entre si pelos mesmos artistas, em vez de funcionarem como espaços complementares. A última edição da Art Newspaper escrevia que um terço das grandes exposições que aconteceram nos Estados Unidos entre 2007 e 2013 representavam artistas de apenas cinco galerias. Onde está a capacidade de reinvenção e a pluralidade de oferta que se pede aos grandes museus? Porque é que as colecções permanentes são relegadas para um plano secundaríssimo ou votadas a espaços pequenos e quase fora de circuito, para dar protagonismo a opções muito questionáveis?

O Whitney responde a isso alargando o espaço destinado à sua colecção permanente, que inclui nomes como Jasper Johns, Willem de Kooning e onde Edward Hopper é o grande protagonista. E escolheu inaugurar apenas com obras dessa mesma colecção, algumas nunca vistas por um público que os responsáveis pelo Whitney prevêem diferente do que entrava no edifício da Madison. É outro sinal da nova vizinhança e reflecte os cerca de seis milhões de pessoas que visitam anualmente o High Line, a maior parte estrangeiros. Para Adam D. Weinberg, director do museu, o espaço que hoje se inaugura será uma espécie de grande apresentação do que é a arte americana, e, mais ambicioso ainda, um lugar que irá marcar o modo como grande parte do público irá relacionar-se com a arte.

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