PS quer proteger pensões dos funcionários públicos com salários mais baixos

Factor de sustentabilidade será revisto para reflectir de forma “mais precisa” a evolução demográfica, propõem os socialistas. Resposta ao PSD esclarece impacto orçamental da descida da sobretaxa de IRS e da reposição de salários.

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Os economistas lembram que a convergência dos sistemas de pensões vem desde a década de 1990 Bárbara Raquel Moreira

O PS quer que as pensões dos funcionários públicos sejam calculadas da mesma forma que as pensões dos trabalhadores do sector privado. A convergência total da fórmula de cálculo só abrangerá os futuros pensionistas e tem como objectivo pôr fim “às divergências” actualmente existentes e que prejudicam os trabalhadores do Estado com salários mais baixos.

O relatório Uma década para Portugal, elaborado por um grupo de 12 economistas para o PS e divulgado na semana passada, já falava na necessidade de garantir “uma completa homogeneidade” das regras de cálculo das pensões, para eliminar as “discrepâncias que ainda existem” entre o regime geral da Segurança Social (RGSS) e a Caixa Geral de Aposentações (CGA). Na carta que nesta quinta-feira enviou em resposta às 29 dúvidas do PSD sobre o documento, a equipa de Mário Centeno vai mais longe: as últimas alterações feitas pelo actual Governo ao regime de pensões da função pública (em vigor desde Janeiro de 2014) introduziu “divergências” em relação aos pensionistas do RGSS, “em particular nos trabalhadores de mais baixos salários” e é preciso resolver o problema.

O deputado socialista e ex-ministro da Segurança Social, Vieira da Silva, já tinha alertado que as novas regras de cálculo das pensões da CGA iriam penalizar os funcionários com salários mais baixos, que acabariam por receber pensões 8% a 9% mais baixas do que um trabalhador do privado com a mesma carreira contributiva, enquanto os que tinham salários mais altos seriam beneficiados. A diferença, explicou agora ao PÚBLICO, decorre do facto de, no RGSS, a taxa de formação da pensão variar consoante o nível salarial, protegendo-se os salários mais baixos. Na CGA, essa salvaguarda não está prevista, o que faz os assistentes técnicos e operacionais, que têm níveis salariais reduzidos, saiam prejudicados e os trabalhadores com níveis remuneratórios mais elevados saiam beneficiados.

“No presente, a convergência só pode significar uma verdadeira unificação das condições de cálculo das pensões para todos os novos pensionistas seguindo o modelo em vigor para o regime geral da Segurança Social”, referem os economistas do PS na resposta aos sociais-democratas, que queriam saber que medidas de convergência seriam tomadas e se se aplicariam apenas aos futuros pensionistas ou aos actuais. “Esta unificação é tecnicamente possível e socialmente justa não existindo razões sérias para a sua não concretização”, justifica o grupo de trabalho socialista, acrescentando que o cenário central do relatório não inclui o impacto económico e financeiro desta convergência.

Plafonamento? Não
O PSD também questionou os economistas sobre o conteúdo da proposta de reavaliação do factor de sustentabilidade nas pensões. Na resposta, os especialistas revelam que será preciso rever este mecanismo para que ele reflicta “de forma mais precisa e justa a evolução demográfica, nomeadamente o efeito produzido pela recente quebra brutal da natalidade”. O objectivo é devolver ao factor de sustentabilidade o seu papel de “estabilizador” do sistema de pensões, “retirando-lhe a função conjuntural que o perverteu”. Ao mesmo tempo, adiantam, ele será compatibilizado “com a salvaguarda das muito longas carreiras contributivas”.

Quando foi criado, em 2007, o factor de sustentabilidade passou a determinar a idade de acesso à pensão completa, em função da evolução da esperança média de vida. Os trabalhadores ou permaneciam mais alguns meses no mercado de trabalho para receberem a reforma por inteiro ou então viam a sua pensão ter uma redução. Desde o início do ano, o factor de sustentabilidade foi agravado e passa a determinar o aumento da idade da reforma, que já aumentou dos 65 para os 66 anos.

Na mesma carta, os economistas são taxativos em dizer que a proposta para reduzir a Taxa Social Única (TSU) dos trabalhadores – e que irá reflectir-se no valor das reformas a receber no futuro – “não se trata de qualquer plafonamento” das pensões.

Na carta enviada ao PSD, os economistas respondem às 29 perguntas, ora revelando ou especificando os impactos orçamentais de algumas medidas, ora aproveitando para reafirmar o que já antes tinham explicado no relatório. As respostas são sobretudo técnicas. Mas serviram também para os socialistas lançarem farpas ao teor das perguntas assinadas por Marco António Costa. Numa das respostas, ironizam: “O raciocínio [do PSD] subjacente à questão colocada decorre de um exercício estático”.

Mesmo antes de começar a responder às perguntas, os socialistas congratulam-se com a iniciativa do PSD, pela qual dizem estar “muito agradecidos”, por permitir o exercício do contraditório.

Um dos esclarecimentos que o PSD fez foi sobre o resultado orçamental da devolução progressiva dos salários no sector público no prazo de dois anos, em metade do tempo do que prometeu o Governo.

Os economistas estimam um impacto líquido de 298 milhões de euros em 2016 e 2017, com uma deterioração no défice de 105 milhões no primeiro ano e de 193 milhões no segundo. Os valores não representam o custo directo de repor os salários, mas antes a uma estimativa do efeito global da medida, tendo em conta o aumento esperado na receita fiscal e nas contribuições sociais.

Nas contas dos economistas, haverá um ganho nas contribuições sociais na ordem dos 170 milhões de euros no conjunto dos dois anos. A isso somam-se 134 milhões de euros do lado das receitas. O valor foi estimado a partir dos ganhos esperados no IRS e nos impostos indirectos, considerando o reflexo do aumento do rendimento disponível no consumo privado.

Animar mercado de trabalho
Outra questão tinha a ver com o impacto, na receita do Estado, da redução da sobretaxa de IRS para 1,75% em 2016 e a sua eliminação no ano seguinte. A questão foi colocada porque no documento nada é quantificado. Centeno apenas referiu na apresentação do relatório que o impacto seria de cerca de 430 milhões no segundo ano de redução da sobretaxa, esclarecendo que o efeito positivo da recuperação de rendimento na actividade económica limita a perda de receita.

Os economistas distinguem entre a perda de receita directa e o impacto final no saldo das administrações públicas. “A perda de receita directa considerada é 400 milhões de euros em 2016 e de 800 milhões de euros em 2017 e nos anos seguintes”. Já “o impacto final no saldo das Administrações Públicas é de -311 milhões de euros em 2016, -427 milhões de euros em 2017 e de cerca de -330 milhões de euros nos anos subsequentes. A diferença entre a perda de receita directa e o impacto final no saldo decorre de um conjunto de efeitos que importa considerar e quantificar”. Os economistas acreditam que o efeito no consumo e na actividade económica vai permitir criar “cerca de 15 mil postos de trabalho a partir de 2018”, o que beneficiaria a receita das contribuições sociais em cerca de 75 milhões de euros e ajudaria a mitigar o impacto sobre a receita dos impostos directos “em cerca de 90 milhões de euros”.

Questionado pelo PÚBLICO sobre a referência específica aos 15 mil postos de trabalho, o deputado João Galamba (e um dos 12 economistas), diz que este efeito tem de ver visto “no contexto da aplicação da estratégia global presente no relatório e do seu efeito combinado”. “É uma simulação que tem em conta os impactos cruzados” das várias medidas.

À pergunta sobre qual é o “impacto orçamental do agravamento da taxa de IMI [para as habitações não usadas como residência], da não eliminação do IMT e das deduções do montante pago a título de IMT em casos específicos”, os economistas dizem que as medidas “não estão simuladas no conjunto de medidas incluídas no cenário final”. Com Nuno Sá Lourenço

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