Nascidos entre 1950 e 1980 devem realizar rastreio à Hepatite C

SOS Hepatites estima que o número de doentes infectados esteja acima dos 150 mil, muito mais do que os 13 mil identificados pelos hospitais públicos.

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Desde Fevereiro que os hospitais disponibilizam aos doentes com hepatite C medicamentos inovadores, comparticipados a 100% pelo Estado DR

De forma a saber o número de pessoas infectadas com Hepatite C em Portugal e encaminhá-las para tratamento, especialistas e doentes defendem a realização de um rastreio nacional para todos os que nasceram entre 1950 e 1980.

Esta terça-feira, em Lisboa, realizou-se uma sessão que contou com a presença de médicos, doentes e representantes da indústria farmacêutica. O hepatologista do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, Fernando Ramalho, sublinhou que há um número significativo de pessoas que não sabem que estão infectadas com o vírus, não podendo, assim, receber o devido tratamento.

O especialista acrescenta ainda que “é necessário aumentar o número de pessoas diagnosticadas”, defendendo a realização de testes rápidos de detecção da hepatite C nos cuidados primários de saúde. Testes esses que, na sua opinião, deviam ser realizados por toda a população nascida nos anos já referidos.

Entre 1961 e 1974, Portugal teve quase um milhão de pessoas que foram para África, durante o período da Guerra Colonial, e por isso terão corrido um maior risco de exposição ao vírus devido a ferimentos e à falta de condições de tratamento adequadas, lembrou Fernando Ramalho.

A Hepatite C é uma inflamação do fígado provocada por um vírus que pode levar a casos de falência hepática, cirrose e/ou cancro, é conhecida como a epidemia “silenciosa” pela forma como tem aumentado o número de portadores crónicos em todo o mundo e pelo facto de os infectados poderem não apresentarem qualquer sintoma, durante 10, 20, 30 ou 40 anos, segundo dados da SOS Hepatites Portugal.

Actualmente existem cerca de 13 mil doentes identificados pelos hospitais públicos com Hepatite C, um número muito abaixo da realidade. Emília Rodrigues, da associação SOS Hepatites, que representa os doentes, estima que o número real de casos esteja acima dos 150 mil, admitindo mesmo a possibilidade de atingirem quase 300 mil pessoas.

Para a SOS Hepatites, rastrear as pessoas nascidas entre 1950 e 1980 tem a vantagem de se abranger a faixa de ex-combatentes e ainda as pessoas que "passaram pelo 'boom' da droga em Portugal".

O hepatologista salientou ainda que o rastreio não deve ser baseado em grupos de risco com base em comportamentos, uma vez que os doentes podem negar esses comportamentos ou até desconhecê-los. Afirma que “se fizermos o teste rápido, a prevalência da doença em Portugal vai disparar", lembrando que vários estudos apontam para uma incidência de hepatite C na ordem dos 2% a 3% da população nos países do sul da Europa.

Também o médico Rui Tato Marinho sublinhou a importância da realização destes testes “pelo menos uma vez na vida”, explicando que cerca de 20% dos doentes não apresentarão os clássicos factores de risco (transfusões de sangue até à década e 1990 ou toxicodependentes).

Relativamente aos custos que um rastreio pelo Serviço Nacional de Saúde acarreta, Fernando Ramalho argumenta que, quanto mais doentes se diagnosticarem, mais barato ficará cada tratamento. “Quantos mais doentes detectarmos, mais os laboratórios serão sensíveis a baixar os preços", defendeu.

Após um longo processo negocial com a indústria farmacêutica, em Portugal, desde Fevereiro que os hospitais disponibilizam aos doentes com hepatite C medicamentos inovadores, comparticipados a 100% pelo Estado. O acordo entre o Ministério da Saúde e o Laboratório Gilead determina que os fármacos são pagos quando o doente fica curado.

Estes medicamentos inovadores têm sido apontados como tendo uma taxa de cura superior a 90%, representando um passo importante também para a prevenção de novos contágios.

Contudo, o médico Fernando Ramalho alertou que os ensaios clínicos destes fármacos foram feitos "em doentes altamente seleccionados". "A minha previsão é que isto não é o mar de rosas que toda a gente previa. Os ensaios clínicos são óptimos porque escolhem os melhores doentes. Vamos ver o que acontece no mundo real”, avisou.

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