Em nome do camaleão, estão suspensas as demolições na Ria Formosa

Autarca de Olhão, com casa ilegal na ilha do Farol, recorre a tribunal para defender que o réptil habita nas árvores e arbustos plantados nos quintais das habitações, construídas ilegalmente sobre as dunas.

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António Pina no passado sábado DR

A pretexto da defesa da natureza, em particular do habitat do camaleão que alegadamente se situa nas casas ilegais, o autarca olhanense, António Pina, socialista, pediu, socorrendo-se de uma providência cautelar, a suspensão das demolições ilegais da ilha do Farol - núcleo habitacional que pertence administrativamente ao concelho de Faro. Desta forma, a Sociedade Polis Litoral da Ria Formosa (SPLRF), não pôde nesta segunda-feira, como estava previsto, tomar posse administrativa de 134 casas de segunda habitação.

A acção, aceite pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, obriga a SPLRF a adicionar mais elementos para fundamentar o programa do derrube das casas, inserido no Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC). A operação decorre desde o princípio do ano e já foram abaixo cerca de três centenas de casas, situadas no cordão do dunar, em zonas consideradas de risco. O autarca, António Pina, indirectamente, é um dos visados pela ordem de demolição. O pai, antigo governador civil de Faro, possui casa ilegal na zona nascente da ilha do Farol.

O habitat dos camaleões nessas ilhas, alega o município, “localiza-se predominantemente nas árvores e nos arbustos existentes junto às edificações, plantadas para conferir frescura, sombra e alindamento do exterior dessas edificações”. Só que, contrapõe a Sociedade Polis, as construções ilegais “não constituem um habitat desta ou de qualquer outra espécie protegida”. Pelo contrário, sublinha, essas construções são “focos de destruição dos habitats naturais pré-existentes - nomeadamente das dunas com vegetação, habitat secundário desta espécie”. De resto, acrescenta a SPLRF, reside na “pressão humana um dos principais factores de ameaça da espécie”. Por conseguinte, uma vez demolidas as casas em área protegida, sublinha, “isso sim, contribuirá para a redução da perturbação desta e de outras espécies, através da reposição dos habitats naturais e substituição das espécies exóticas por espécies autóctones”.

A celebração do dia da liberdade, no passado sábado, serviu de pretexto para os proprietários das ilhas-barreira manifestarem o descontentamento em relação ao programa que está a ser levado a cabo pelo Ministério do Ambiente. Em cima do molhe poente da ilha, em sinal de protesto contra as autoridades ambientais, formou-se um cordão humano com cerca de um quilómetro. Por entre aplausos, o autarca foi recebido na ilha de forma quase apoteótica. “Este carinho com que fui recebido aqui ajuda-me a ter a força e a certeza que fiz a opção certa”, disse, referindo-se à providência cautelar, onde pede que parem as máquinas, “enquanto não existir um plano adequado de protecção dos camaleões e do seu habitat”.

As ilhas-barreira, alega, “são o principal habitat de uma espécie protegida em convenções europeias, que é o camaleão”. Por isso, afirmou defender o réptil sem esconder, também, o interesse particular. Rodeado de centenas de apoiantes, Pina agradeceu os aplausos, desferindo ao mesmo tempo críticas contra o Governo e a “alguma” comunicação social. “Não é fácil tomar a posição que tomei contra as muitas opiniões de diversos partidos - até o meu [PS] - e mesmo contra alguma comunicação social que tentou envergonhar a minha posição pelo facto de ter aqui casa”.

O dirigente associativo do núcleo dos Hangares, José Lezinho, agradecido, vestiu ao autarca a camisola com a inscrição: “Je suis ilhéu”. No passado dia 10 de Abril, quando foi chumbado o diploma da oposição que visava a suspensão das demolições, o “grupo dos ilhéus”, aos gritos, foi expulso das galerias da Assembleia da República. No passado sábado, celebrando o dia da liberdade, o autarca disparou: “O senhor ministro [Jorge Moreira da Silva], nas últimas declarações, tentou reduzir a posição daquele que é o único autarca que tem estado ao vosso lado – está enganado esse ministro e essa comunicação social, não é assim que consegue combater um olhanense como eu”.

António Pina defende planos de urbanização para os núcleos habitacionais “legalizando o edificado existente” nas ilhas-barreira, à semelhança do que foi feito na ilha da Armona. Na acção judicial preconiza que as demolições que estão previstas – sem um plano de prevenção e de impedimento desse abate e destruição de habitats – poderá representar “consequências imprevisíveis” para a preservação do camaleão. Por seu turno, a Sociedade Polis garante que não há motivo para receios em relação à fauna, citando a título de exemplo, o que se passa nos ilhotes onde já ocorreram demolições. Após a renaturalização, diz, verifica-se “um aumento significativo” de ninhos de colhereiro (Platalea leucorodia) e nas posturas de borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus).

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